Quadrantes por Francisco Fernandes - Ponte das Barcas, História de uma Tragédia no Douro

Março de 2018

 

Este espaço pretende narrar “estórias” de personagens históricas, “estórias” que vão além do plano formado pelos eixos espaço e tempo, localizados em quadrantes diferentes da historiografia tradicional, permitindo aos seus leitores, um aprofundamento da compreensão e humanização de diversos episódios da história da humanidade.     

Francisco Fernandes - Arqueólogo e Professor de História 

 

Título: Ponte das Barcas, História de uma Tragédia no Douro

A 29 de março de 1809, no próximo ano celebrar-se-á o 210º aniversário, ocorreu no Porto, uma das maiores tragédias da nossa história, o desastre da Ponte das Barcas.

Este triste episódio da nossa história ocorreu no quadro das 2ª invasões francesas ao nosso país, numa época em que Napoleão Bonaparte procurava dominar toda a Europa. 

Depois do fracasso da 1ª invasão, as tropas de Napoleão, comandadas pelo marechal Soult, entram em território português a 10 de março, agora por Trás-Os-Montes, depois de algumas tentativas falhadas de invasão pelo rio Minho.

Conquistam Chaves a 12 de Março, iniciando daí a incursão para o Porto, passando primeiro por Braga, cidade em que os franceses entram a 20 de Março. 

De Braga dirigem-se então para o Porto, estando os 18 mil militares franceses acampadas às portas da cidade a 26 de março, mais propriamente em S. Mamede de Infesta.

A defesa da cidade foi realizada de forma atabalhoada, embora as forças portugueses tivessem procurando dar um ar de maior imponência do que o real valor defensivo que a cidade possuía. Esta linha defensiva era constituída por 20 mil homens, mas apenas 2 mil eram tropas regulares. Os restantes pouca ou nenhuma experiência com armas possuíam. Existiam 35 baterias dispostas num longo semicírculo que se estendia de Campanhã à Foz - Campanhã, Senhor do Padrão, Monte Cativo, Monte das Enfestadas, Cativo, Bonfim, Antas, Póvoa de Cima, Quinta dos Congregados, Lindo Vale, Lapa, Sério, Regado, Monte Pedral, Falperra, Prelada, Lordelo, Ramalde, Senhora da Luz, num total aproximado de 200 canhões. O pior é que destas peças só cerca de 20 podiam fazer fogo. As outras serviam de sustentáculo de amarração de navios, tentando com este estratagema enganar as tropas francesas.

Experientes, as forças de Soult iniciam, a 27 de março, a batalha final pelo domínio da cidade do Porto. 

Durante dois dias, as forças portuguesas foram resistindo como podiam nas baterias e muros do lado norte da cidade, embora na cidade reinasse o caos. 

A autoridade da cidade estava entregue ao bispo D. António de S. José e Castro, a quem Soult solicitou no dia 28 a entrega da cidade.

Com a recusa do bispo, a 29 de março, as tropas francesas rompem as defesas portuguesas. A infantaria entra pelas bateria de Aguardente, de Santo Antonio (Regado) e de S. Francisco (Monte Pedral), enquanto a cavalaria toma a bateria da Prelada, colocando em debandada os defensores.

O pânico instala-se em toda a população que foge desesperadamente em direção ao rio, tentando fugir para Gaia através da Ponte das Barcas localizada na Ribeira.

Esta ponte, composta por vinte barcas amarradas por cabos de aço, havia sido inaugurada a 15 de agosto de 1806, projetada por Carlos Amarante, engenheiro e arquiteto português que tem nos seus trabalhos o famoso Bom Jesus de Braga.

Contudo, a ponte não aguentou o peso da multidão que tentou a travessia, aliado ao fogo da artilharia entre franceses e portugueses, acabando por ceder. Alçapões são abertos entre as barcas e os fugitivos vão caindo ao rio, empurrados por aqueles que vinham atrás.

Ninguém sabe ao certo o número de mortos. Muitos apontam para os meio milhar, enquanto outros para os 20 mil. Contudo, segundo os últimos estudos, terão morrido cerca de 4 mil pessoas, entre elas muitas mulheres e crianças.

Foi um dos episódios mais sangrentos não só da 2ª invasão francesa, mas mesmo da nossa história, que convém recordar, sobretudo neste ano, pois, tal como agora, estava-se nessa semana, na quarta-feira da Semana Santa, o mesmo dia em que estas linhas vêm a luz do dia.

 

 

 

 

                 

 
Publicado/editado: 28/03/2018