Quadrantes por Francisco Fernandes - S. António de Lisboa ou de Pádua? E o São João Evangelista ou do Porto?

Eixos de Opinião de Junho de 2022

 

 

 

 

Francisco Fernandes - Arqueólogo e Professor de História


Título: S. António de Lisboa ou de Pádua? E o São João Evangelista ou do Porto?

Durante todo o mês de junho celebram-se as festas populares dedicadas a S. António e S. João em Lisboa e Porto respetivamente. Mas estas festas populares, as maiores das respetivas cidades, não são as festas dos padroeiros de ambas. De Lisboa o padroeiro é S. Vicente e do Porto a Nossa Senhora da Vandoma.

Contudo ainda hoje se debate sobre a origem e a escolha destes santos como patronos destas festividades e sobre as suas origens.

Falando do S. António, quer portugueses quer italianos reclamam para si a pertença desta figura histórica. Lisboa por ter sido o local de nascimento, Pádua por ser o local onde lhe foi erguida uma imponente basílica, onde repousam os restos mortais deste santo da Igreja. 

Fernando de nome de batismo, nascido em finais do século XII, era filho de um mercador abastado de Lisboa. Por volta dos 15 anos, ingressou na Ordem de S. Agostinho, tendo depois prosseguido estudos em Santa Cruz de Coimbra. Aí tomou contacto com uma nova ordem religiosa surgida recentemente, os Franciscanos e entusiasmado com os seus ideais, ingressa na ordem e ruma ao norte de África em 1220 para pregar e converter muçulmanos. Mas mal aí chegou, adoeceu gravemente e regressa à Europa, mais precisamente a Assis, onde conhece S. Francisco.

Em Itália vai ganhando fama e prestígio pelos seus conhecimentos teológicos e dotes oratórios, tendo pregado vários sermões no norte de Itália e mesmo para o papa Gregório IX na igreja de S. João de Latrão em Roma.

Em 1231 fixa-se definitivamente em Pádua, onde nos poucos meses que aí viveu, deixou uma profunda marca pela suas pregações e sermões. 

Morre a 13 de junho de 1231 e menos de um ano depois era canonizado por Gregório IX, talvez o processo de canonização mais rápido da Igreja Católica.

Assim, em Itália ele é um ícone da espiritualidade católica da cultura europeia com uma vasta obra teológica e sermões eloquentes, relembrados na basílica de Pádua, onde a sua língua e órgãos vocais estão expostos como relíquias.

Em Lisboa celebra-se o culto não ao intelectual, mas sim ao milagreiro jovem, padroeiros dos casamenteiros e dos mais pequeninos, sendo representado com um menino Jesus, um culto iniciado pouco depois da sua morte, mas que ganhou mais ímpeto no século XV, quando o infante D. Pedro, filho de D. João I trouxe uma parte do crânio do santo de Pádua para Lisboa, culto que foi ganhando cada vez mais adeptos até se tornar na principal festa e feriado de Lisboa.

Já no Porto, celebra-se o S. João, mas a dúvida aqui reside em saber que S. João? O do Porto ou do São João Batista, primo de Jesus?

É que eles não são a mesma pessoa.

São João do Porto foi um eremita do século IX, natural do Porto, que viveu o seu isolamento dedicado à oração em Galiza, tendo sido sepultado em Tuy, onde pelos menos até ao século XVII, as suas relíquias eram objeto de grande veneração, associado à cura das febres. 

Já após a nacionalidade de Portugal, D. Mafalda, mulher do nosso primeiro rei D. Afonso Henriques, terá trazido a cabeça deste S. João do Porto para a antiga igreja de S. Salvador da Gandra, tendo depois sido transferida para a igreja de Nossa Senhora da Consolação, também ela já desaparecida, para a capela da “Santa Cabeça”.

Durante muito tempo este S. João foi objeto de culto e veneração na cidade do Porto, mas que depois as suas festividades foram sendo absorvidas pelas de S. João Batista, dos poucos santos da Igreja Católica em que é celebrada a sua data de nascimento, 24 de junho e o da sua morte a 29 de agosto. 

Obviamente esta não será certamente a data real do seu nascimento. É no Evangelho de S. Lucas que se encontra a referência ao seu nascimento, seis meses antes de Jesus, e quando na Idade Média, a Igreja estipula o 25 de Dezembro como a data do nascimento de Jesus, fixa também a de S. João Batista, coincidindo ambas com duas das principais festividades pagãs, a do solstício de Inverno, celebrado como a festa do fogo que regenera e prepara o novo nascimento da natureza, a do solstício de verão, a festa das colheitas, festividades muitas delas anteriores à própria romanização deste nosso território.

Talvez por isso as festividades do Porto do S. João sejam aqueles onde pobres e ricos, novos ou velhos, partilham sem diferenças a rua nas rusgas, sem qualquer diferença ou distinção. 

Mas esse foi um outro quadrante que já aqui afloramos.

Publicado/editado: 21/06/2022