Vida & Obra de Paul Erdős

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Paul Erdős (1913 – 1996) foi um matemático húngaro que apresentou e resolveu problemas na teoria dos números e noutras áreas e, fundou o campo da matemática discreta.

Paul Erdős veio de uma família judia, embora nenhum dos seus pais (ambos professores de matemática) seguisse a religião judaica. Poucos dias antes de Paul nascer, as duas irmãs, de três e cinco anos, morreram de escarlatina, por isso, era muito protegido pelos pais. 

Erdős não tinha muito mais de um ano quando estourou a Primeira Guerra Mundial. O pai de Erdős, foi capturado pelo exército russo e passou seis anos em cativeiro na Sibéria. Refira-se que durante  essa época, Erdős quase nunca saiu de casa, a sua mãe tinha medo que contraísse uma doença fatal, como acontecera com as suas duas irmãs. Para passar as longas horas em cativeiro, o pai de Erdős aprendeu inglês mas, por não ter professor de inglês, não sabia pronunciar as palavras. Quando regressou a casa ensinou Erdős a falar inglês, e Erdős adquiriu um estranho sotaque inglês, sendo esta uma das suas características.

Apesar das restrições à entrada de judeus em universidades na Hungria, Erdős, como vencedor de um exame nacional, foi autorizado a entrar em 1930. Concluiu o seu doutoramento na Universidade Pázmány Péter, Budapeste, em 1934, e obteve uma bolsa de pós-doutoramento em Manchester, essencialmente porque foi forçado a deixar a Hungria por ser judeu. Na altura, Erdős viajou muito pelo Reino Unido. Conheceu Hardy em Cambridge em 1934 e Ulam, também em Cambridge, em 1935. A sua amizade com Ulam viria a ser importante mais tarde, quando Erdős estava nos Estados Unidos.

A situação na Hungria no final dos anos 1930 tornou-se insustentável para alguém de origem judaica. No entanto, Erdős visitou Budapeste três vezes por ano, enquanto esteve em Manchester. Em março de 1938, Hitler assumiu o controle da Áustria e Erdős cancelou a sua visita a Budapeste. No entanto, foi a casa durante as férias de verão, mas com a crise tcheca a 3 de setembro de 1938, voltou às pressas para a Inglaterra. Poucas semanas depois, foi para os Estados Unidos, onde recebeu uma bolsa de estudos em Princeton. Erdős esperava que a sua bolsa fosse renovada, mas como não estava de acordo com os padrões de Princeton, recebeu uma oferta de apenas uma extensão de seis meses, em vez do ano esperado. Por essa altura, Erdős foi convidado por Ulam para visitar e ajudar a universidade de Madison. A partir dessa época, Erdős viveu uma vida devotada exclusivamente à procura de problemas matemáticos e em resolvê-los.

As contribuições de Erdős para a matemática foram numerosas e amplas. No entanto, Erdős era basicamente um solucionador de problemas, não um construtor de teorias. Os problemas que mais o atraíram foram problemas de combinatória, teoria dos grafos e teoria dos números. Erdős queria resolvê-los de uma forma elegante e elementar.

Refira-se que em 1845 Bertrand conjecturou que havia pelo menos um primo entre n e 2n para n ≥ 2. Chebyshev provou esta conjectura em 1850, mas Erdős encontrou uma prova elementar elegante quando tinha apenas 18 anos. Saliente-se também que o Teorema dos Números Primos foi conjecturado no século 18 e demonstrado em 1896, mas em 1949 Erdős e Atle Selberg encontraram uma prova mais simples e, concordaram em publicá-lo em artigos consecutivos no mesmo jornal, explicando o trabalho que cada um havia feito, partilhando o crédito. No entanto, no último minuto Selberg avançou com a prova publicando-a primeiro. No ano seguinte, Selberg ganhou a Medalha Fields por este trabalho. Erdős que não estava muito preocupado com o aspecto competitivo da matemática foi filosófico sobre o episódio.

Ulam deixou a universidade de Madison em 1943, juntando-se a outros matemáticos e físicos em Los Alamos, no Novo México, para trabalhar no projeto da bomba atómica e pediu a Erdős que se juntasse ao projeto. Erdős disse que gostaria de retornar a Budapeste no final da guerra, pensa-se que Erdős não queria colaborar no projeto.

Em 1943 Erdős trabalhou na Universidade Purdue, e na altura, embora tenha sido um momento difícil, com grande incerteza, sobre o destino da sua família na Hungria, ainda assim, matematicamente, Erdős floresceu. Erdős não teve notícias da sua família entre 1941 e a época em que Budapeste foi libertada em 1945. Os judeus na Hungria tinham sofrido dificuldades desde 1944, com muitos sendo assassinados e outros deportados para Auschwitz. Em agosto de 1945, Erdős recebeu um telegrama com detalhes da sua família: o pai tinha morrido de ataque cardíaco em 1942, quatro dos tios e tias de Erdős tinham sido assassinados, mas a mãe tinha sobrevivido assim como uma prima que tinha sido enviada para Auschwitz. 

Perto do final de 1948, Erdős voltou à Hungria reunindo-se com a família e amigos sobreviventes. Nos três anos seguintes, viajou com frequência entre a Inglaterra e os Estados Unidos antes de aceitar um cargo temporário na Universidade de Notre Dame, em 1952. Foi uma oferta que deu a Erdős total liberdade para fazer pesquisas conjuntas sempre que quisesse. No entanto, Erdős não aceitou esta oferta em caráter permanente, apesar dos esforços da Universidade de Notre Dame e dos seus amigos para que aceitasse. 

Durante o início dos anos 1950, o senador Joseph R. McCarthy instigou fortes sentimentos contra o comunismo nos Estados Unidos. Erdős começou a ficar sob suspeita das autoridades que viam problemas imaginários em todos os lugares. Foi questionado pela imigração americana, ao retornar após uma conferência em Amsterdão em 1954, e não teve permissão para voltar aos Estados Unidos. 

Passou grande parte dos dez anos seguintes em Israel. Durante o início da década de 1960, fez inúmeros pedidos de permissão para voltar aos Estados Unidos e o visto foi finalmente concedido em novembro de 1963. Nessa época, porém, Paul Erdős já vivia de uma forma excêntrica e desprovida de bens materiais. Não tinha casa, nem família, nem posses, nem endereço. Erdős ia de conferência de matemática em conferência de matemática, de universidade em universidade, batendo nas portas de matemáticos de todo o mundo, declarando: “My brain is open“ e entrava na casa deles vivendo com eles durante alguns dias. Os seus colegas acolhiam-no, sentindo-se privilegiados e gratos por alguns dias de trabalho em colaboração com Erdös. 

Note-se, no entanto, que Erdös tinha uma espécie de casa com o matemático e amigo Ronald Graham. Erdős e Graham conheceram-se numa conferência de teoria dos números em 1963 e logo iniciaram uma colaboração matemática. Foi Graham quem providenciou um quarto na sua casa onde Erdős poderia morar quando quisesse e guardou lá os papéis de Erdős e, de várias maneiras, atuou como secretário de Erdős.

Erdős viajava com duas malas, cada uma pela metade. Uma tinha algumas roupas, a outra tinha trabalhos matemáticos. Erdős não possuía mais nada. Nenhuma coisa. Os seus amigos cuidavam dos assuntos da sua vida cotidiana  - talão de cheques, declarações de impostos, comida. Erdős  apenas “fazia” matemática.

Erdős parecia condenado a uma vida de solidão desde o nascimento, amado e mantido em casa por uma mãe inquieta. Hitler acabou com quase toda a sua família judiaca húngara. E Erdős nunca se casou. Mas, na realidade, ele produziu 1.500 artigos matemáticos com centenas de colegas e colaboradores científicos. Um legado surpreendente num campo onde um produto vitalício de 50 trabalhos é considerado extraordinário.

Erdős era gentil, aberto e generoso com os outros. A sociabilidade de Erdős diferencia-o de outros génios matemáticos. Erdős acreditava em fazer da matemática uma atividade social e, por isso, foi o matemático colaborativo mais prolífero da história! 

Erdős não partilhava apenas a sua genialidade, mas também o seu dinheiro. Tinha tão pouco porque dava quase tudo que ganhava. Numa altura que esteve na Índia, deu os lucros de algumas palestras que havia feito, à viúva empobrecida de Ramanujan.

Ron Graham contou que Erdös ouviu falar de um jovem matemático promissor que queria ir para Harvard, mas que não tinha o dinheiro necessário, então Erdős foi ter com ele e emprestou-lhe 1.000 dólares e disse-lhe que podia pagar quando pudesse. Quando o jovem quis devolver-lhe o dinheiro,  Erdős disse  que fizesse com os 1.000 dólares o mesmo que ele tinha feito. 

Erdős ganhou muitos prémios, incluindo o Prémio Wolf, em Israel, de 50.000 dólares em 1983/4, pelas “suas numerosas contribuições à teoria dos números, combinatória, probabilidades, teoria dos conjuntos e análise matemática, e por pessoalmente estimular matemáticos de todo o mundo”. Deste prémio Erdős ficou com apenas 720 dólares e deu o resto; metade do dinheiro foi para um primo de segundo grau que ele mal conhecia, que por acaso estava com dificuldades financeiras na época. Erdős entendia que precisava de pouco para sobreviver: 

“... most of the money he earned from lecturing at mathematics conferences, donating it to help students or as prizes for solving problems he had posed.”

A seguinte citação da jornalista científica do New York Times Gina Kolata, mostra a alta consideração que os colegas matemáticos tinham por Erdős: 

“Never, mathematicians say, has there been an individual like Paul Erdős. He was one of the century's greatest mathematicians, who posed and solved thorny problems in number theory and other areas and founded the field of discrete mathematics, which is the foundation of computer science. He was also one of the most prolific mathematicians in history, with more than 1 500 papers to his name. And, his friends say, he was also one of the most unusual.”

Em 1976 Ulam descreveu Erdős:

“He had been a true child prodigy, publishing his first results at the age of eighteen in number theory and in combinatorial analysis. Being Jewish he had to leave Hungary, and as it turned out, this saved his life. In 1941 he was twenty-seven years old, homesick, unhappy, and constantly worried about the fate of his mother who remained in Hungary. ... Erdős is somewhat below medium height, an extremely nervous and agitated person. ... His eyes indicated he was always thinking about mathematics, a process interrupted only by his rather pessimistic statements on world affairs, politics, or human affairs in general, which he viewed darkly. ... His peculiarities are so numerous it is impossible to describe them all. ... Now over sixty, he has more than seven hundred papers to his credit.”

Graham referiu:

“Erdos driving force was his desire to understand and to know.”

E Paul Erdős dizia:

“There'll be plenty of time to rest in the grave.”

Se já conhece os Números de Erdős , no  vídeo seguinte do canal Numberphile, Ronald Graham (1935 – 2020) fala sobre números de Erdős imaginários. Curioso? Não deixe de ver…

Pode calcular os números de Erdős (e a distância de colaboração) nesta página web

Deixamos também um excerto hilariante com Paul e o trailer oficial do documentário biográfico sobre a vida deste extraordinário matemático: “N Is a Number: A Portrait of Paul Erdos (1993)”, realizado por George Paul Csicsery.

 

Fonte: https://www.sfu.ca/~mohar/Erdos.html
            https://mathshistory.st-andrews.ac.uk/Biographies/Erdos/    
            https://pt.wikipedia.org/wiki/Pr%C3%AAmio_Wolf_de_Matem%C3%A1tica

Por Adília Marinho

Publicado/editado: 26/03/2021