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Este espaço pretende narrar “estórias” de personagens históricas, “estórias” que vão além do plano formado pelos eixos espaço e tempo, localizados em quadrantes diferentes da historiografia tradicional, permitindo aos seus leitores, um aprofundamento da compreensão e humanização de diversos episódios da história da humanidade. Francisco Fernandes - Arqueólogo e Professor de História Dia 30 de cada mês
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Título: D. Afonso Henriques bateu na mãe?
Para iniciar a minha colaboração com o Clube de Matemática, escolhi uma das “estórias” mais conhecidas que envolvem o primeiro rei de Portugal, D. Afonso Henriques.
Segundo a historiografia portuguesa em moda até ao 25 de abril, D. Afonso Henriques, após a vitória na batalha de S. Mamede, bateu e aprisionou a sua própria mãe. D. Teresa.
Este mito, sendo verdadeiro, associaria o nascimento deste país a um caso de violência doméstica, ato condenável, fazendo do nosso primeiro rei um rebelde arruaceiro de 19 anos de idade, desrespeitador das regras e da autoridade maternal, comportamento próprio de um qualquer adolescente mimado.
Como terá surgido então esta “estória”?
A primeira narração da batalha de S. Mamede, ocorrida a 24 de junho de 1128, num campo próximo ao castelo de Guimarães, surge-nos na IV Crónica Breve de Santa Cruz de Coimbra, um conjunto de manuscritos provenientes do mosteiro de Santa Cruz de Coimbra e editados por Alexandre Herculano no século XIX.
Esta crónica relata as lutas de D. Afonso Henriques com sua mãe, D. Teresa, referindo que após a derrota de D. Teresa em S. Mamede, esta teria sido aprisionada e colocada a ferros, tendo lançado uma praga ao seu filho, dizendo que as suas pernas seriam partidas por ferros, pois com ferros ele a havia aprisionado.
O mito ganha contornos de realidade pois D. Afonso Henriques acaba efetivamente por partir uma perna em 1158, 30 anos após a batalha de S. Mamede, durante o cerco falhado a Badajoz, tendo na retirada quebrado a perna ao bater num ferrolho de ferro de um portão, episódio que levou a que D. Afonso Henriques fosse aprisionado pelo rei D. Leão.
O mito seria então real, pois tudo o que é descrito e preconizado nesta crónica. acaba por ocorrer. O que nos leva então a afirmar que esta crónica é apenas um mito, construído com base num episódio real? A crónica só ter sido escrita no século XIV, em 1340, mais de 200 anos após estes episódios terem ocorrido.
Contudo, o que efetivamente aconteceu foi que a revolta de Afonso Henriques contra sua mãe, foi mais uma revolta dos nobres do Entre Douro e Minho, necessitados de um líder legítimo contra a influência de nobres galegos que apoiavam D. Teresa, pois esta havia casado com um poderoso nobre galego Fernão Peres de Trava, ameaçando assim os interesses deste ricos-homens portucalenses.
Assim, nem D. Afonso Henriques bateu na sua mãe, nem esta foi aprisionada, pois após a batalha que confirma o poder de D. Afonso Henriques no condado portucalense, D. Teresa retira-se para Límia, terras dos nobres Trava na Galiza, onde acabou por morrer em 1130.
No fundo nesta “estória” é tudo uma questão de contas e números.