Contos de 3º Grau: Tempos Felizes: Fim do episódio por Filipe Oliveira

Clube de Matemática da spm

Contos de 3º Grau: Tempos Felizes - 6ª Parte por Filipe Oliveira


Hoje temos a última parte (6ª) dos contos de 3º grau, a não perder. Filipe Oliveira finaliza "Tempos Felizes". Aqui fica:

     

Título:  Tempos Felizes

1ª Parte por José Veiga de Faria - Dia 1

“Splash!!!”, “Splash!!!”   O Bernardo e o Júlio mergulharam no azul da piscina fazendo saltar a água.      
- Bom mergulho! - gritou o pai Álvaro. Ele estava na sala, na mesa de jantar vendo tudo através das portas de vidro. Estas estavam abertas para o relvado e para a piscina, resplandecentes, debaixo de um sol esplendoroso daquela tarde de Junho de 2003.      
Álvaro Costa era um reputado engenheiro de software de uma grande multinacional a operar em Portugal.      
- Achas que vamos ter problemas com o Júlio? - interrogou em voz  alta a sua mulher Cláudia, enquanto levava a chávena de café à boca.      
Júlio era um sobrinho órfão cujos pais tinham morrido recentemente num horroroso desastre de viação. O rapaz era rebelde e tentou sobreviver sozinho mas quando se viu atolado de dívidas e sem credores aceitou ir viver com os tios. Gostava da boa vida e diziam que se metia em drogas.      
- Sabes Álvaro, desde que veio para cá não falta gente a emprestar-lhe dinheiro! - atirou a prima Joana que era viva e observadora. - Acho que está mesmo a pensar comprar um carro a prestações. Quanto a estudar e preparar o futuro nada.      
Álvaro levantou-se e ligou a televisão pensativo. No écran a locutora lia as últimas notícias: “Depois da adesão ao euro as taxas de juro caem sustentadamente nos países do Sul da Europa…”

2ª Parte por Sílvio Gama - Dia 6 

No liceu,  Júlio usava e abusava do copy-paste da internet para os seus trabalhos escolares; nos testes e exames era exímio no copianço. Esta arte desenvolvera-a nas Novas Oportunidades: só assim conseguira concluir o 12º ano em tempo record. Aí conhecera o Firmino que o convenceu, à terceira insistência,  a ir a uma reunião na sede da distrital do partido. Tanto se empolgou Júlio nessa noite, que prometeu a si mesmo dali não sair sem um balde de cola, pincel e cartazes para colar pelas ruas da cidade.  Sugeriu, inclusive, ao presidente da distrital que se deixasse fotografar em mangas de camisa... “Camisa branca, senhor presidente...e sem gravata!” – dizia ele. O presidente maravilhava-se com as suas propostas e, após meia dúzia de reuniões na sede da distrital,  Júlio calava a assembleia sempre que falava. Por essa altura chegara a proposta do tio Álvaro: “Júlio, vem viver connosco. A Cláudia está sempre a falar-me nisto e os miúdos ficariam contentes. Afinal, somos família e custa-nos ver-te a viver só”. Quando completou 28 anos,  o presidente chamou-o à sede e, sem rodeios, declarou: - Júlio, vou-me candidatar a presidente de câmara e gostaria que aceitasses ser o candidato à presidência da freguesia da Graça. É uma freguesia que vai ter muito eleitor a votar pela primeira vez e tu, com a tua juventude, facilmente lhes tocarás o coração.” Júlio não hesitou, e logo Firmino lhe sugeriu:  -Vamos preparar a tua página no Facebook. Ficaria bem se pudéssemos escrever nas habilitações académicas a frase “Frequência da licenciatura em ta, ta, ta, ta... Nas calmas acabas isso lá para os trinta e muitos... A Universidade Oceanus tem cursos noturnos e o Zeca, aqui do partido, está lá no Científico...”. Alguns dias mais tarde, Júlio tinha ingressado, com uma candidatura fora de prazo e com estatuto de  trabalhador-estudante, em Ciências Políticas Internacionais.

3ª Parte Paulo Correia - Dia 11

Os meses seguintes foram um turbilhão de novidade previsível. As eleições para a Junta foram uma etapa trabalhosa, mas bem sucedida sem nenhuma surpresa. Na Universidade duas cadeiras estavam bem encaminhadas – uma que despertou em Júlio um interesse genuíno e outra… porque sim.   
Álvaro e Cláudia tinham sentimentos contraditórios de algum orgulho e dúvidas sobre a legitimidade e mérito do sucesso crescente do sobrinho. Os colegas de partido viam em Júlio uma aposta ganha e um enorme potencial.   
Júlio decidia agora a sua intervenção emblemática do mantado na junta de freguesia - a renovação total do jardim do largo da Graça. E… surpreendeu – preteriu a Simelfe, uma empresa muito “amiga” do partido, e adjudicou a obra à Santos e filhos – uma pequena empresa sediada na freguesia. Tomou esta decisão apesar de todas as indicações e dos seus correligionários.    
Nessa tarde os telefones não pararam de tocar – algumas pessoas tentavam reverter o processo, outras felicitavam Júlio pela atitude corajosa. Houve quem visse na atitude de Júlio um genuíno interesse em gerir bem o dinheiro da freguesia… houve quem visse uma oportunidade de enfraquecer a liderança da distrital… houve quem suspeitasse de um suborno do Sr. Santos…   
Júlio esforçou-se por identificar todos os julgamentos e apreciações que cada um fez da sua decisão e percebeu claramente que tinha acelerado muito a sua… ascensão política, ou então, o fim da sua breve carreira!

4ª Parte Carlos Marinho - Dia 16

Enquanto a sua carreira política era uma incógnita as suas decisões continuavam a criar problemas a pessoas humildes e trabalhadoras. Duma assentada, contribui para o aumento do desemprego do país, quando não prorrogou os contratos de três funcionários da secretaria da junta. Aproveitando, o aumento do horário de trabalho de 35 para 40 horas e atolhando de trabalho dos outros 4 funcionários fez uma reforma cega e cruel. Maria Vasconcelos, uma das dispensadas, 46 anos de idade, mãe de 3 filhos, viu-se de repente com apenas 700 euros que o seu marido Joaquim ganhava nos bombeiros locais. A primeira medida dos Vasconcelos foi dizer à sua filha que estudava para enfermeira para regressar do Porto, uma vez que não tinham dinheiro para lhe dar.    
Dois meses mais tarde, numa terça-feira, por volta das 10 horas da manhã, Júlio estava no seu luxuoso gabinete na junta, quando gritou por ajuda. - Por favor, ajudem. Por favor, ajudem. Chamem a ambulância...   
Piedade, uma das funcionárias que sobreviveu à razia do despedimento acudiu de imediato para perceber o que se passava. - Sr. Presidente, o que se passa?   
- Chame a ambulância, estou com umas dores horríveis no abdómen. Do lado direito...   
- Será uma apendicite?   
Júlio, já não respondeu. Desmaiou de tanta dor... Uma chamada e, em menos de cinco minutos a ambulância dos bombeiros estava à porta da junta.

Joaquim, marido de Maria (despedida por Júlio) estava junto do homem responsável pelas dificuldades que a sua família vivia. Naquele momento tinha a vida do seu inimigo número um nas suas mãos...

5ª Parte por José Carlos Santos - Dia 21

Joaquim começou a pensar no que podia fazer. O condutor da ambulância, o Aurélio, era um velho amigo dele e estava a par da situação em que ficara a família após o despedimento de Maria. Ainda por cima, o Aurélio não podia com políticos em geral e conhecia bastante bem o passado do Júlio. E a Sílvia, a filha que tinha estado a estudar para ser enfermeira, devia estar em casa àquela hora. Tudo batia certo! 
Alguns minutos mais tarde, a ambulância parou. Não nas urgências de um hospital, mas sim junto a um armazém abandonado, propriedade do Aurélio, que o tinha usado para um negócio que entretanto falira. Enquanto o Aurélio levava Júlio na maca para o interior do armazém, Joaquim ligava à Sílvia. Podia ter ligado para o telefone fixo de casa, mas seria complicado não dizer à Maria de que é que queria falar à Sílvia — e a Maria, por mais que tivesse sofrido com o seu despedimento, nunca concordaria com o que ele queria fazer. Mas o temperamento da Sílvia era mais parecido com o dele, pensou Joaquim. E com razão: a Sílvia nem hesitou e ao fim de um quarto de hora já tinha chegado ao armazém, levando com ela um estojo médico.

Trocaram poucas palavras e um sorriso cúmplice e entraram no armazém. O Júlio continuava na maca, com o Aurélio ao seu lado.

         6ª Parte por Filipe Oliveira - Dia 26 - Fim do Episódio

É nesse preciso instante que Júlio começa a tossir sofregamente.
"Rápido, escondam-se!" – disse baixinho Aurélio – "O efeito da droga que a Piedade lhe misturou no cházinho está a passar!"

. Todos se afastaram, com exceção de Aurélio, que colocou uma máscara da Divina Comédia, adquirida em Veneza aquando de uma excursão organizada pela Casa do Povo. 
- On...onde estou?! Pronunciou Júlio, aflito.
- Estás morto, homem, na antecâmara para o Próximo Mundo. É assim meu caro, a Grande Ceifadora chega quando menos se espera. Um dia lembra-se de nós, sem razão aparente, visita-nos, e já está!
- Então e agora? O que vai acontecer? Não me lembro de nada...
- Bem, no teu caso não tenho grandes notícias, foste um menino muito mal comportado, como sabes. Utilizar um partido para enganar meio mundo, não tens vergonha? É o pior que se pode fazer, as pessoas acreditam nos partidos, e o vosso discurso vai sempre no sentido do bem comum. E depois...Enfim, não há por aqui nada que seja considerado maior crime.  Vais ficar nesta antecâmara para sempre, sózinho e abandonado. Sou a última pessoa com quem falarás. Por toda a eternidade!
- Não! Por favor! Eu imploro! Que posso fazer?
- Bem, se te enviarmos de volta para o mundo, readmites os funcionários que despediste e denuncias todas as trafulhices do teu partido, nem que tenhas de fazer algum tempo de prisão?
- Sim, prometo!
Aurélio tirou então do saco trazido por Cláudia um frasco de clorofórmio e deu-o a cheirar a Júlio, que lentamente adormeceu. Acordou já no hospital. E quando teve alta, cumpriu tudo o que prometeu.

 


Recorde Aqui:

        
      3º Episódio - O Impacto (Leia Aqui)                     
           
  2º Episódio - A Caçada (Leia Aqui)                    

         1º Episódio - A Folha de Excel (Leia Aqui)         

 

                                 
Publicado/editado: 27/05/2013