Hoje temos o final do episódio (6ª e última) dos "Contos de 3º Grau", a não perder. José Veiga de Faria escreve a 6ª parte do 5º conto de "A Jornalista dos Emigrantes de 2013". Dia 1 de julho teremos novo episódio. Aqui fica para já o fim do 5ª episódio:
Título: A Jornalista dos Emigrantes de 2013
1ª Parte por Sílvio Gama - Dia 1
Joana Teixeira, jornalista da iTV, estava felicíssima por o programa “Portugueses Everywhere”, que propusera ao diretor da estação de televisão, ter sido aprovado. Joana, moça de cara simpática e corpo produzido, num ginásio qualquer, por uns dolorosos 45 euros mensais, ouvia na rádio “... o desemprego entre os jovens está a aumentar e muitos procuram na emigração...”, quando foi, subitamente, interrompida pelo chefe:
- Joana, o teu primeiro programa será com o Manuel Rodrigues, um especialista em neurologia computacional.
Entretanto, Manuel Rodrigues, que vira a sua bolsa Ciência 2008 recentemente terminada, sentia tristeza ao preparar as papeladas para emigrar daí a oito dias. Ia, claro, continuar a dar o seu melhor, mas, agora, num reputado laboratório americano. Para ganhar uns euros, fizera um contrato com a iTV para que a sua viagem e primeiros meses de adaptação nos Estados Unidos pudessem ser gravados por um canal de televisão. Mentalmente, Manuel revia o pequeno guião que a iTV lhe tinha enviado com os temas que Joana, a jornalista que o contactara, abordaria.
O dia da partida chegou. Joana e Manuel entraram no avião, seguidos pelo operador de câmara que os filmava.
2ª Parte por Paulo Correia - Dia 6
Joana passou a semana seguinte em Chicago...voltou e colecionou todo o tipo de reações e vivências da mãe e da namorada do Manuel. Ao fim de três semanas voltou a Chicago e percebeu que o deslumbre inicial da nova condição de Manuel começava a ser substituído por algumas rotinas, as saudades de casa iam dando lugar a algumas novas amizades e a relação de cinco anos com a sua namorada tinha chegado ao fim. A motivação da recompensa monetária também tinha sido arrefecida pela constatação dos elevados custos diários.
Joana tinha muito material para pintar um quadro preto, branco ou cinzento. E começava a delinear um trabalho que tinha tudo para ser fantástico, até que... recebeu um telefonema. Era o chefe de gabinete do ministro Silva Grama...elogiou a ainda breve carreira de Joana, em especial o novo programa, deixou no ar a hipótese de que ela viesse a trabalhar como assessora de imprensa do ministério, e, de forma pouco subtil, deixou escapar a mensagem que o próprio Dr. Silva Grama considerava importante que este programa desse uma imagem muito favorável da situação dos emigrantes licenciados.
No final do telefonema Joana, suou e sentiu-se cansada sem precisar do ginásio...
3ª Parte Carlos Marinho - Dia 11
Durante a noite Joana dormiu pessimamente após o telefonema que recebera. No dia seguinte, a jornalista acompanhou Manuel Rodrigues na sua actividade diária, anotando cada detalhe. A espaços vinha-lhe à memória a proposta feita no dia anterior. À saída do laboratório pelas 18 horas combinaram encontrar-se mais tarde uma vez que ele iria falar com a sua família através do skype. Pelas 21h30 Joana tocava à porta de Manuel.
Volvidos alguns minutos Manuel liga para Portugal. Cada toque da chamada criava mais ansiedade, uma vez que as saudades de casa eram muitas.
- Estou, filho…
- Sim, mãe!
- Como estás? Estás alimentar-te bem?
- Claro, mãe. Estou muito bem.
- E o trabalho?
- Muito bom. Estou a fazer o que gosto. Vou descobrir algo que vai mudar o mundo na minha área!
- Isso sei eu! Sempre foste muito inteligente. O teu pai e a tua irmã estão aqui.
- Pai, adoro-te. Tenho muitas saudades vossas.
O Câmera de Joana filmava cada instante, daquele reencontro familiar.
De repente, a mãe interrompe para dizer:
- Tens aqui uma pessoa que quer falar contigo, filho.
- Quem é mãe?
Com uma voz doce e meiga, Carolina, a sua ex-namorada referiu:
- Boa noite, Manuel!
As lágrimas caíram-lhe copiosamente da cara ao ouvir a voz de Carolina...
4ª Parte José Carlos Santos - Dia 16
- Carolina, eu… não estava a contar.
Manuel não consegui dizer mais nada e foi a mãe dele quem desbloqueou a conversa.
- Perguntei à Carolina se queria falar contigo. Não sei o que se passou entre vocês e nem me quero meter nisso, mas achei que era capaz de ser boa ideia conversarem.
E a Carolina acrescentou.
- Precisava saber como é que estás.
- Agora que estou a falar contigo estou melhor.
Joana estava cada vez mais constrangida, pela direcção íntima que a conversa estava a levar. Precisou de toda a sua força de vontade para não mandar desligar a câmera mas resolveu prosseguir. Ao fim de pouco tempo, ficou claro que Manuel e Carolina se estavam a reconciliar.
Mais tarde, no seu quarto de hotel, Joana ficou a pensar no que fazer com as filmagens de que dispunha. Deveria terminar o documentário com a reconciliação? Dava um fim optimista e sentimental, o que batia certo com os desejos do ministro. Ou deveria terminar com a verdade: Manuel Rodrigues era mais um jovem cientista em início de carreira e, embora ele fosse brilhante, ainda não se podia afirmar se viria ou não a ter sucesso no seu novo local de trabalho.
5ª Parte por Filipe Oliveira - Dia 21
Mas na verdade o que realmente incomodava Joana eram aqueles leves mas persistentes sentimentos que começava a nutrir por Manuel. Apenas se apercebeu deles no momento em que o viu, de lágrimas nos olhos, a falar com Carolina.
Durante todo este tempo em Chicago aprendeu a conhecê-lo e percebeu o quanto Manuel era diferente de si própria. Um jovem idealista e lutador, com objetivos de vida estratosféricos que lhe davam quotidianamente energia e motivação para viver do outro lado do mundo, numa cidade em que não conhecia ninguém. Comparando percursos, Joana sentia-se menos do que nada ao lado dele. Um modesto curso de comunicação social tirado na Universidade Oceanus e um lugar numa televisão meio sensacionalista em que o único objetivo de todas as emissões eram os famosos índices de audiência.
-Está decidido, é agora ou nunca, pensou em voz alta Joana. Amanhã vou pedir ao câmara que me dê um pouco de privacidade junto de Manuel. Espero que corra bem, mas tenho mesmo de falar com ele. Devo-o a mim própria.
Nessa noite Joana quase não dormiu. Tentava discernir o que sentia e introduzir algum elemento de razão no turbilhão das emoções. A sensação de pequenez perante a aparente grandeza da vida mental e projetos de futuro do Manuel criavam-lhe perplexidade: ele um monstro sagrado, ela um inseto. Alienação! Ela sabia o que era das cadeiras de Psicologia: abandonar as suas próprias capacidades para viver como um parasita em função de outra pessoa. Decididamente isto não era base sólida para nada válido: nem para uma “one night stand” que poderia ter sentido se sentisse apenas um forte impulso sexual e muito menos para uma vida futura a dois onde, pensava, a mulher devem sentir-se uma rainha e o homem um rei. E as alterações que ia provocar na vida do Manuel? De resultados imprevisíveis e possivelmente catastróficos para os projetos que ele tinha em mente para já não falar do futuro da própria relação?
No dia seguinte entrou com a equipa de filmagem no gabinete do Manuel e atirou-lhe:
- Senta-te confortavelmente e dá respostas bem pensadas. O que esperas do teu futuro? Descobrir algo notável com impacto no futuro da humanidade? Permanecer fora a trabalhar e investigar? Ou voltar a Portugal levando contigo os conhecimentos, hábitos culturais, princípios e valores que aprendeste e somar a outros em idênticas circunstâncias para criar uma massa crítica capaz de transformar o nosso país num país mais livre, mais ativo e empreendedor, mais responsável e solidário, pensando menos em consumir no presente e mais em trabalhar para o futuro, mais implacável com os corruptos que empestam o ambiente coletivo e desencorajam os trabalhadores honestos?
- Manuel levantou-se e quando chegou à janela olhou para o infinito…