Contos de 3º Grau por José Carlos Santos. Sexta parte e última de "o impacto". Leia hoje o fim do conto.
Marco acordou em sobressalto. Com o coração aos pulos procurou o visor do despertador.
- Será que adormeci? Não, são 3h38, estou a meio da noite, está tudo bem.
Deixou-se cair de novo na cama. Amanhã é o grande dia de Marco. Vai, aos 63 anos, prestar provas de agregação. Mas não são umas provas quaisquer. Desde que se doutorou, há quase 30 anos, que sempre se sentiu subestimado pelos seus pares. Não conseguiu progredir na carreira, foi cilindrado por hordas de jovens imberbes cheios de artigos e de citações. Agora, recalcava o passado enquanto fixava o tecto do seu quarto.
- Eles vão ver, vão todos ver, estes novos-ricos dos factores de impacto. Mexem-se muito bem neste universo quantificado das publicações. Devem pensar que são uns grandes cientistas, lá porque foram citados umas duzentas vezes. Mas eu, Marco de Jesus Pires dos Santos, vou mostrar-lhes o verdadeiro significado da palavra «impacto». Enquanto andaram a fazer artigos circulares e a citar os amigos, eu dediquei-me a algo de realmente importante. E amanhã é o meu dia. Eles vão ver. Vão todos ver.
Olhou para a mesinha de cabeceira. O manuscrito lá estava. Em letras gordas podia ler-se «Demonstração da conjectura de Birch e Swinnerton-Dyer, por Marco Santos, Centro de Matemática da Universidade da Ajuda».
2ª Parte por José Veiga de Faria - Dia 6
Marco dos Santos passou a mão pelos cabelos. Não, a agregação não era uma prioridade. Pensou nos seus seis netos. Aquela rapaziada dos Estudos Gerais de Porto Alto nunca iria aprová-lo. Cada vez sustentavam mais reformados com os seus parcos salários a diminuir em flecha…Não, nunca iriam contribuir para bloquear uma vaga e suportar um encargo acrescido logo que se reformasse no próximo mês.
Lembrou-se de Walter Stein o génio da Teoria dos Números com quem provara a Conjectura: ali estava um resultado que mostrava que era possível a um bom computador quebrar os mais seguros códigos de segurança na Internet em tempo “útil”. Nas mãos erradas provocaria uma catástrofe comparada com a qual a Bomba H seria uma brincadeira de crianças. O seu telemóvel começou a piscar na escuridão.
Atendeu: - Helllo Mr. Dos Santos. Here Garry Smith - US Secret Services. I am aware of your recent results. Open your mailbox, decode the message from Susan and you’ll find some GPS coordinates. Go to this position, dig a hole and in small box you have a ticket to New York with instructions. Hurry up…
Marco hesitou; de repente meteu-se no carro ligou o GPS e disparou em direção a um baldio em Oeiras. Foi impressão sua ou viu um vulto de óculos escuros emboscado quando saiu de casa às 5 da manhã?
3ª Parte por Sílvio Gama - Dia 11 (Novidade)
Bruscamente… travou o carro. Os pneus rangeram e Marco sentiu o cheiro da borracha queimada. Olhou pelo espelho retrovisor e não viu ninguém. “Relaxa… relaxa…”, pensou Marco. “Esta coisa da agregação está a pôr-me nervoso. Decerto foi algum engraçadinho que resolveu pregar-me uma partida de mau gosto. Que faço eu a caminho destas coordenadas estúpidas para ir escavar um buraco e agarrar um bilhete de avião para Nova Iorque por causa de um tal que se diz chamar Smith que não faço a mínima ideia quem seja?”.Fez inversão de marcha, lembrando-se da paranóia do Nash de “Uma Mente Brilhante”. Entrou em casa, pôs a água do chuveiro a correr e no telemóvel procurou o nome “Novo Luque”. Ligou e deixou uma mensagem no atendedor: “Nino, bom dia! Hoje, às 9 em ponto, passarei no seu salão para aparar o cabelo. É coisa rápida, pois tenho de estar às 10 no trabalho. Espero que consiga uns minutos para mim. Até logo!”.Tomou um duche longo e bem quente, seguido de um café duplo acompanhado por uns biscoitos que a vizinha, que mora ao lado, faz questão em lhe oferecer. Reviu mentalmente o seu CV e a aula que a agregação acarreta e, de seguida, dirigiu-se ao “Novo Luque”, onde Nino, rapidamente, lhe fez um pente 2. “Está o espectáculo do costume, Nino! Quanto é?”. “São os sete e meio do costume. Quer factura?” – perguntou Nino. Vinte e cinco minutos mais tarde, Marcos dos Santos entrava no Salão Nobre da Reitoria da Universidade da Ajuda. Carrapiço da Silva, o catedrático presidente do júri, cumprimenta-o: “Olá, Marco! Vamos começar com 30 minutos de atraso. O Acácio descobriu hoje de manhã que a CP está outra vez em greve…”.
4ª Parte Paulo Correia - Dia 16
“Tudo bem” respondeu Marco, naturalmente nervoso… estranhamente Carrapiço também parecia nervoso. Após alguns minutos de conversa de circunstância chegou o Acácio, acompanhado por um colega de feições orientais. Marco reconheceu a cara, mas não sabia precisar de onde… preferiu não dar muita importância ao facto.
Começou a apresentação e a tensão natural guiou Marco numa espécie de piloto automático, onde cada detalhe parecia uma eternidade condensada num ápice. Quando terminou, ao despontar dos primeiros aplausos lembrou-se de onde conhecia o colega de feições orientais – era Mito Kikutaro, um japonês que, anos antes, havia feito avanços notáveis… precisamente na «Demonstração da conjectura de Birch e Swinnerton-Dyer» e que tinha desaparecido de cena subitamente.
Carrapiço acelerou os procedimentos finais e precipitou uma reunião entre Kikutaro e Marco no seu gabinete. Quando a porta se fechou Marco ouviu atónito a notícia: Dois anos antes, Kikutaru já tinha uma demonstração que foi mantida em segredo por razões de segurança, e a sua demonstração também teria que permanecer oculta…
Marco ouvia incrédulo e respondia apenas com acenos de cabeça e monossílabos… foi avisado que elementos de máfias de leste o poderiam abordar, eventualmente fazendo-se passar por agentes da Mossad, da Interpol, dos US Secret Services, ou outra agência do mesmo género.
5ª Parte Carlos Marinho - Dia 21
Marco estava assustado com os últimos incidentes que estavam acontecer a um ritmo alucinante. Toda esta história estava a provocar-lhe um desgaste maior do aquele que estava à espera com esta narrativa.
De repente, ouviu-se bbbbuuuuummmmmmm...um estrondo que ecoou e fez estremecer a sala onde estavam reunidos.
Num ápice, a porta do gabinete foi aberta de uma forma indómita, entrando por ela homens mascarados e armados até aos dentes. Eram militares ou mercenários com toda a certeza, tal era a forma organizada e rápida como avançaram no terreno.
O pior veio a seguir. Marco, Carrapiço e Kikutaro foram feitos reféns, amarrados, sendo-lhes colocado um saco de pano nas cabeças. Em poucos segundos, estavam aparentemente fora das instalações da universidade, a vaguear numa carrinha. Este passeio durou pouco mais de meia hora. Até que, o veículo parou de uma forma brusca. Foram levados para fora do bólide com muita destreza e em silêncio. Não faziam a mínima ideia onde estavam.
A única conjetura que Marco se lembrava agora era em bom português: “estamos feitos ao bife”. De repente, estava arrependido de tudo, inclusive de ser...matemático.
6ª Parte por José Carlos Santos - Dia 26 - Fim do Episódio
Marco continuava a avançar e sentia dois tipos de contactos físicos. Por um lado, sentia regularmente que havia um ombro a tocar-lhe de cada lado, o que ele interpretava como querendo dizer que tinha Carrapiço de um lado e Kikutaro do outro. Por outro lado, ia sentindo empurrões nas costas feitos por alguém que ia dizendo “move on” e “don’t stop” num sotaque estranho que Marco não reconheceu. Por fim, a mesma voz que lhes dissera “don’t stop” tantas vezes gritou «STOP!». Os três pararam e ouviu-se o ruído das dobradiças de uma porta que se abria.
Fez-se silêncio, até que se ouviu uma voz vinda da frente deles. “In time. Bravo!” Isto também foi dito com sotaque e Marco tentava perceber qual seria a nacionalidade dos seus captores enquanto era levado até uma cadeira onde o fizeram sentar-se. Pela primeira vez, deixou de sentir a presença de Carrapiço e de Kikutaro junto a si, o que o alarmou.
À volta dele havia um burburinho. De repente, sentiu uma mão a agarrar o saco que lhe tapava a cabeça. O saco foi retirado e Marco abriu os olhos. À sua frente, com um grande sorriso, estavam Carrapiço e Kikutaro. Ao lado e atrás deles, estavam os colegas e os familiares de Marco. E, antes que ele pudesse abrir a boca, começaram a cantar «Parabéns a você…»