Valor Absoluto por Paulo Correia

Eixos de Opinião setembro 2013


                 

                 


Opiniões, reflexões e observações, sem pretensões... A Matemática, o Ensino da Matemática e outros aspetos relacionados, serão por aqui vistos e comentados, com algum humor - sempre pelo lado positivo e "moduladas" pelo exercício da profissão docente.             

 

Paulo Correia - Professor de Matemática da Escola Secundária de Alcácer do Sal e responsável pela página mat.absolutamente.net                      

Valor Absoluto por Paulo Correia  

artigo de setembro de 2013  

Clube de Matemática SPM


Título: Fé na Matemática


Fé e razão podem ser ingredientes de posicionamentos quase antagónicos em relação ao conhecimento... mas a matemática parece ter conseguido um bom equilíbrio entre os dois.

Os matemáticos são Homens de fé! Desconfiam... e acreditam!

Recentemente foram anunciadas várias demonstrações para conjeturas antigas (a conjetura de Rota, a conjetura fraca de Goldbach, a conjetura ABC...). A cada anuncio de uma demonstração corre tinta, os #hashtags tornam-se populares nas redes sociais, fazem-se piadas e os professores informam os alunos. Mas... quantos dos que celebram a demonstração a entendem? Ou quantos chegam a olhar para ela? Quantos a conseguem compreender?

A suposta demonstração da conjetura ABC é um caso paradigmático... a excitação que acompanhou a sua divulgação foi rescaldada quase de imediato pela sua ininteligibilidade. Ao que parece ninguém conseguia, no imediato, dizer se a demonstração era válida... os indícios mais recentes é de que não era... provavelmente teremos que acreditar nos que creem que não é.

A aceitação de um teorema validado pela comunidade científica (e muitas vezes pelo crivo de séculos de ataques e defesas) do qual não conhecemos, ou não compreendemos, a sua demonstração é um ato de fé! Apenas confiamos na entidade abstrata “comunidade científica” para dizer o que é verdade ou não. E esta é uma atitude razoável... e a razão diz-nos que podemos – e devemos – ter fé na matemática (e nos matemáticos).

Mas a (minha) fé é ainda maior... por vezes os alunos colocam dúvidas que resultam em encadeamentos pouco evidentes de procedimentos ou raciocínios, e no final perante um quadro, ou uma folha de papel, cheio(a) de ideias e cálculos, os alunos perguntam: “Mas o professor já sabia isso tudo no início da resolução?” A minha resposta costuma ser que, o que eu já sabia era que a matemática não me deixaria ficar mal.

A crença na validade absoluta da matemática para responder a uma classe de problemas, e em caso de falha a sua imputação a causas exteriores, é uma fé muito própria dos matemáticos... Na matemática (acreditamos que) as falhas são todas humanas... nunca são técnicas!

De resto as teorias matemáticas são alicerçadas em dogmas. Os axiomas de uma teoria são atos de fé fundamentais... O “dogma” das paralelas, a impossibilidade da existência do zero e de quantidades negativas, ou a falta de razoabilidade da unidade imaginária foram verdades auto-evidentes das quais só alguns “hereges” ousaram duvidar. Esta fé dificultou e protelou avanços extraordinários em matemática... será que poderemos vir a questionar “verdades absolutas” como a impossibilidade de dividir por zero ou a existência do conjunto de todos os conjuntos?




Publicado/editado: 11/09/2013