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Todos os meses, no dia 1, Miguel Abreu, Presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática, escreve as suas "(Di)visões" sobre o mundo que o rodeia. Estes artigos poderão ter uma componente matemática, mas serão essencialmente uma opinião sobre os mais variados aspectos da sociedade: ciência, política, desporto, ensino entre outros assuntos.
Miguel Abreu - Presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática
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Soube pelo Clube de Matemática da SPM que fez anteontem 160 anos que nasceu Henri Poincaré. Procurei mais informação e fiquei a saber que em 2004, por ocasião dos 150 anos, houve em Bruxelas um simpósio sobre Poincaré onde o matemático Jean Mawhin fez uma palestra com o título "Henri Poincaré. Uma vida ao serviço da ciência." O texto dessa palestra foi depois publicado nas Notices da AMS e está disponível aqui.
Recomendo vivamente a sua leitura. Entretanto, fica aqui a tradução pessoal de alguns parágrafos escritos por Poincaré que são citados nesse artigo.
"A liberdade é para a Ciência o que o ar é para o animal; sem essa liberdade, ela morre sufocada, como um pássaro sem oxigénio. E esta liberdade não pode ter limites, porque, se os tem, temos apenas uma meia ciência, e meia-ciência já não é ciência, pois pode ser, é necessariamente, uma ciência falsa. O pensamento nunca pode estar subordinado a qualquer tipo de dogma, partido político, paixão, interesse, preconceito, a nada de facto, porque, para a ciência, estar subordinada significa morrer."
"O cientista não estuda a natureza devido à sua utilidade; ele estuda-a porque gosta dela, e ele gosta dela porque ela é bonita. Se a natureza não fosse bonita, não valeria a pena conhecê-la, e se não valesse a pena conhecer a natureza, não valeria a pena viver a vida. É claro que não estou aqui a falar da beleza que impressiona os sentidos, a beleza das características e aparências; não que eu não dê valor a essa beleza, longe disso, mas não tem nada a ver com ciência; estou a falar da beleza mais profunda que vem da ordem harmoniosa das partes, e que pode ser apreciada por uma inteligência pura."
"O cientista não pode estar focado em obter resultados práticos. Ele irá obtê-los certamente, mas tem que os obter por acréscimo. Ele nunca pode esquecer que aquilo que está a estudar é apenas uma parte de um todo maior, e essa deve ser a única motivação para a sua atividade. A ciência sempre teve aplicações maravilhosas, mas uma ciência que apenas tenha aplicações em mente não é ciência, é apenas culinária."
Como diz Jean Mawhin no artigo, estas palavras continuam a ser tão ou mais importantes hoje do que quando Poincaré as escreveu, há mais de 100 anos.