![]() |
Distâncias (quase) infinitamente grandes e distâncias (quase) infinitamente pequenas estão intrinsecamente relacionadas no Universo de que fazemos parte e que aos poucos vamos tentando conhecer melhor. Nesta rubrica escreverei algumas palavras, e números (!), sobre o Universo que vemos quando olhamos para um céu estrelado numa noite límpida. Uma modesta contribuição para ajudar a reflectir sobre a nossa posição no contexto cósmico.
Daniel F. M. Folha - Diretor Executivo do Planetário do Porto - Centro CIência Viva, astrónomo do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, Professor Auxiliar Convidado do Instituto Superior de Ciências Saúde – Norte (ISCS-N) e elemento do CIENCEDUC - Educação para as Ciências (Departamento de Ciências do ISCS-N) |
O disco da nossa galáxia, a Via Láctea, visível de zonas sem poluição luminosa, aparece como uma banda esbranquiçada, salpicada de manchas escuras, que atravessa o céu de horizonte a horizonte (ver “À Distância” de junho de 2015").
Olhando mais de próximo para as manchas escuras dá a impressão que naqueles locais não há estrelas. Tomemos como exemplo o objeto conhecido por Barnard 68, apresentado na imagem seguinte. Por que motivo nos aparece sem estrelas uma região tão bem definida no céu? Terá a Via Láctea sido “perfurada” por alguma bala cósmica, que limpou de estrelas aquela região do espaço?
Barnard 68: Imagem realizada com luz visível. Crédito: ESO
Temos indícios para a resposta olhando com atenção para os bordos da mancha escura. Já repararam como naquela região vemos estrelas muito avermelhadas? As estrelas podem ser avermelhadas se forem relativamente frias (temperaturas superficiais da ordem dos 3000 a 4000 ºC) ou se a luz por elas emitida atravessar nuvens de gás e poeiras. A luz vermelha tem mais facilidade em atravessar camadas de gás e poeiras, sendo aliás por essa razão que o Sol ao pôr-do-sol se nos apresenta alaranjado ou avermelhado.
Se a mancha escura for uma nuvem de gás e poeiras que impede a passagem da luz das estrelas situadas por trás dela, esperamos que luz ainda mais “vermelha” que a vermelha, ou seja luz infravermelha, tenha mais facilidade em a atravessar. Como nos aparece Barnard 68 observada também em luz infravermelha? Aparece-nos assim...
Barnard 68: Imagem composta com observações realizadas com luz visível e com luz infravermelha. Crédito: ESO
A mancha escura em luz visível aparece agora pontilhada por muitas outras estrelas, situadas a distâncias superiores à da nuvem.
Barnard 68 é um exemplo de uma nuvem muito fria, e que por isso não emite luz visível, tão densa que impede a luz visível de a atravessar, mas não suficientemente densa que impeça a luz infravermelha de chegar até nós. Com base nestas observações foi possível determinar as propriedades físicas desta nuvem e estimar a sua massa em duas vezes a massa do Sol.
A nuvem escura Barnard 68 está num precário equilíbrio entre a força da gravidade, que tende a provocar o seu colapso, e as forças internas de pressão, que tendem a dispersá-la. A força da gravidade deverá acabar por vencer, e do colapso desta nuvem deverá resultar o nascimento de novas estrelas e planetas.
Da escuridão far-se-á a luz!