N(eur)ónios por Tiago Fleming Outeiro - A pressão de ser honesto

Eixos de Opinião de Janeiro de 2020

Tiago Fleming Outeiro - Director of Department of Experimental Neurodegeneration Center for Nanoscale Microscopy and Molecular Physiology of the Brain - University Medical Center Goettingen (Ver +)


Título: A pressão de ser honesto

A ciência actual é um mundo extremamente competitivo, que coloca uma enorme pressão em todos os investigadores, e logo desde muito cedo. 

Quando iniciamos a nossa formação avançada, num mestrado ou doutoramento, temos a pressão do tempo logo à cabeça. O tempo, esse bem precioso que temos na vida, parece sempre escasso, pois a ciência é complexa, muitas experiências não funcionam logo à primeira, segunda, ou terceira, e os caminhos que traçamos precisam de ser alterados não raras vezes. Para além disso, começamos também a ser condicionados por factores externos, como o tempo que demoram a chegar alguns dos reagentes extremamente caros que necessitamos para as experiências, ou o tempo que demoram os processos de avaliação de projectos ou de publicação de artigos que vão condicionar depois as chances para conseguirmos a próxima bolsa, financiamento, ou posição/trabalho. Aqui a pressão é já bem grande, pois todos sabemos o quanto é importante publicar nas melhores revistas para podermos depois ter acesso às melhores posições, nas melhores Universidades/institutos de investigação.

Mas a pressão maior sentimos quando, numa fase mais avançada, somos nós quem se senta no banco do condutor, dirigindo o nosso próprio grupo de investigação. Aí a pressão é constante: precisamos de publicar os nossos trabalhos para depois conseguirmos financiamentos, e precisamos de financiamentos para conseguirmos publicar os trabalhos. Um ciclo vicioso, que chega a ser pouco virtuoso, e que muitas vezes nos limita a criatividade que seria desejável numa actividade que, na sua essência, depende dessa mesma criatividade. Um contrassenso, mas este será um tema para um texto futuro, quem sabe.

O problema da pressão, é que por vezes estamos tão embrenhados e absorvidos pelas 1001 actividades que temos de desempenhar, que acabamos não prestando a atenção que deveríamos prestar em alguns aspectos do nosso trabalho. Acabamos por confiar e delegar muitos detalhes nas pessoas com quem trabalhamos, e que estão, também elas, muito ocupadas e sobrecarregadas pelas tarefas que têm de desempenhar. Aqui nem me refiro a um outro problema da pressão, que tem que ver com falta de honestidade na ciência, pois isso é tão reprovável que nem merece ser mencionado e ter “tempo de antena”. Refiro-me apenas ao facto de a ciência ser difícil, a biologia ser complexa, e de nem sempre prestarmos atenção aos detalhes todos, fazendo com que, não raras vezes também, não seja fácil diferentes grupos de investigação não conseguirem reproduzir os resultados publicados por outros colegas. Isto é um problema sério, sem solução fácil, pelo que é essencial estarmos todos conscientes do problema para o podermos tentar minimizar. 

Neste artigo, pretendo terminar com um bom exemplo. Um exemplo de honestidade, de alguém que sofre da mesma pressão que todos nós investigadores, e talvez ainda mais por ter sido distinguida com um prémio Nobel. Aconteceu recentemente que, a cientista Frances Arnold, que recebeu o Nobel da Química em 2018, veio a público admitir que alguns dos resultados que publicaram numa revista de grande impacto não eram replicáveis. Isto requereu uma grande honestidade, e uma tomada de posição que não é nada fácil. A cientista admitiu que não conseguiram encontrar toda a informação que levou à publicação, e também que a culpa em parte foi sua, por não ter prestado a devida atenção a todos os detalhes aquando da escrita do artigo. Não se refugiou na atribuição da culpa aos seus colaboradores, mas assumiu e partilhou essa culpa, retraindo o artigo da revista onde havia sido publicado.

Frances demonstrou uma grande coragem, e deve inspirar-nos a todos, para sermos ainda mais cuidadosos, mas também para sermos sempre honestos. A mentira não compensa, e a pressão deve ser sempre no sentido de nos tornar mais honestos, para que a ciência avance mais depressa sobre bases mais sólidas.

 

Publicado/editado: 22/01/2020