Se e Só Se por José Carlos Pereira - Exame, Uma Oportunidade e o Início

Eixos de Opinião de Setembro de 2020

José Carlos Pereira - Professor de Matemática. Autor de Livros Escolares. Responsável pelo Site Recursos para Matemática. (Ler +).


Título: Exame, Uma Oportunidade e o Início

1. O Exame Nacional de Matemática A da 1.ª fase, um pequeno comentário. 

Na sua generalidade, a prova deste ano foi equilibrada. Confirmaram-se as oito escolhas múltiplas e os temas escolhidos para os itens obrigatórios foram mais ou menos aqueles que suspeitávamos e que foram aparecendo nas diferentes provas modelo. Um desses itens obrigatórios foi uma escolha múltipla. No meu último artigo defendi que nenhum dos itens obrigatórios deveria ter esta tipologia. O meu argumento está espelhado neste excerto desse texto:

«Neste momento a minha expectativa é que nenhum seja obrigatório e o meu argumento é simples. Se algum dos itens de EM o for, qualquer distracção implica menos 16 pontos na prova, o que, em meu entender, seria injusto. Nos anos anteriores, uma distracção numa EM implicava um corte de 8 pontos, o que significava, por exemplo, um 200 passar para 192, isto é, 19 valores ou um 103 passar para 95, isto é 10 valores. A mesma distracção implica neste ano que o mesmo 200 passe para 184, isto é 18 valores e o 103 passe para 87, isto é 9 valores. Parece-me uma flagrante injustiça e é por isso que estou convencido que nenhum dos itens de EM será obrigatório. Contudo, isto é apenas uma intuição minha e como diria um famoso jogador de futebol “prognósticos só no fim do jogo”!»

No caso do 7.1, o tal item de escolha múltipla obrigatório, se o aluno não reparasse que tinha de subtrair 1, e em contexto de exame, com a pressão, o nervosismo e o stress natural, isso é muito fácil acontecer, são 16 pontos que se perdem. Não me parece justo. 

Quanto ao resto. Não considero que seja uma prova muito acessível. Tinha, naturalmente muitos itens simples perfeitamente familiares para os alunos: 1.1,1.2, 2, 5.1, 6, 7.1, 8, 9.1, 9.2, 9.3, 10.1 e 10.2; outros não tão acessíveis ou menos familiares: 4.1, 4.2 (este item é delicioso, muito bem pensado!) e 7.2 – todo o 7 é demasiadamente palavroso. Na tentativa de se criar um item em contexto real, muitos alunos ter-se-ão perdido na extensão do texto. Os restantes coloco-os na categoria dos difíceis: 3.1 (mais um muito bem pensado), 3.2 e 5.2. Este último não é tanto pela resolução, que é comum aos exercícios de Geometria Analítica, mas mais pela formulação. Muitos alunos não terão percebido o que deveriam fazer. Noto a ausência de uma questão envolvendo o teorema de Bolzano e outra envolvendo a segunda derivada, o que é normal, dado que nem todos os conteúdos programáticos podem ser objecto de avaliação numa prova de exame. 

É claro que, tendo em conta que apenas as melhores oito respostas, entre as dadas às catorze questões não obrigatórias, seriam espelhadas na classificação final, possíveis desvantagens por existirem itens mais difíceis não se colocam, ficando, por esse facto, mitigada uma possível menor acessibilidade da prova.

Em todo o caso, ignorando tudo o resto e tendo em conta apenas os itens apresentados, gostei desta prova, considero-a bem construída, adequada e não ultrapassa os limites do Programa e das Aprendizagens Essenciais. 

2. Uma Oportunidade

Sem qualquer surpresa, as notas subiram, e muito. Por exemplo, houve mais notas superiores ou iguais a 17 do que notas inferiores ou iguais a 9 – ver aqui. Dada a natureza da prova sabíamos, ou pelo menos suspeitávamos, que isso ia acontecer e sabíamos que as potenciais “injustiças” também. Para um aluno ter 200 “bastaria” acertar toda a parte obrigatória, as sete escolhas múltiplas não obrigatórias e um dos itens não obrigatórios de resposta aberta. Portanto, muitos 200 não terão correspondido a uma prova imaculada – eu vi algumas dessas provas – podendo, no limite, um aluno errar completamente seis itens não obrigatórios e ter na mesma 200 pontos. Pelo contrário, um aluno que acertasse tudo na parte não obrigatória – 224 pontos – e falhasse alguma coisa na parte obrigatória não teria 200. Pior, se falhasse a 7.1. nem 190 teria – também vi provas dessas. 

Não obstante, creio que estamos perante uma boa oportunidade de repensarmos a estrutura desta prova. Partindo desta experiência, do conhecimento adquirido ao longo de quase 25 anos de Exames Nacionais e juntando os especialistas do país nesta matéria, podemos chegar a uma fórmula de prova melhor e mais justa. Não tenho uma ideia clara, mas sugiro avaliar o papel das tecnologias mais recentes na prova e se deveremos ou não ter itens em opção – por exemplo, termos um ou mais itens em que o aluno escolhe aquele a que quer responder.  

3. O Início

Daqui a uns dias inicia-se mais um ano lectivo. Neste momento há muitos pontos de interrogação sobre a forma como irá decorrer. Tudo dependerá da evolução da pandemia, se a evolução for favorável poderemos ter um ano lectivo normal, dentro do “novo normal”, caso contrário podemos esperar dificuldades semelhantes às que enfrentámos a partir de Março passado. No pior dos cenários, que espero que não passe apenas de um cenário, poderemos ter de voltar ao “Ensino à Distância”, ou pelo menos a um regime misto, presencial e online. Temos apenas a certeza de que não será um ano fácil mas que faremos tudo para que todas essas dificuldades sejam ultrapassadas. 

Desejo a todos os professores, alunos e pais um excelente ano lectivo.

José Carlos Pereira

Publicado/editado: 03/09/2020