U(Ma) Temática Elementar por José Carlos Santos - Pilhas de Livros

Eixos de Opinião de Outubro de 2019

José Carlos Santos - Departamento de Matemática da FCUP (Ver +)


Título: Pilhas de livros

Se se pousar um livro na borda de uma mesa, com uma parte do livro para lá da borda, o livro cai caso mais de metade dele esteja de fora da mesa. Para simplificar, vamos supor que as bordas do livro são paralelas aos lados da mesa. Então a figura seguinte descreve o caso limite: o livro está metade dentro e metade fora da mesa.

E se tivermos dois livros do mesmo tamanho e os colocarmos um pousado em cima do outro? Como atrás, para que haja estabilidade, pelo menos metade do livro de cima terá que estar pousado sobre o de baixo. E será que o de baixo poderá, como atrás, ficar meio dentro e meio fora? Não, pois então, do bloco formado pelos dois livros, ficaria 3/4 de fora da mesa e somente 1/4 em cima, pelo que os livros tombariam. Para que o bloco fique em equilíbrio, a situação limite é a da próxima figura:

Neste caso, 1/4 do livro de baixo está fora da mesa e 3/4 estão em cima dela; com o livro de cima é ao contrário.

Continuemos, desta vez com três livros. Já vimos qual é a situação limite dos dois de cima. Com alguns cálculos, pode-se constatar que a situação limite para uma pilha de três livros é a que pode ser vista na próxima figura. Neste caso, 1/6 do livro de baixo está para lá da borda da mesa, estando os restantes 5/6 pousados nesta.

Repare-se que, nesta posição, quase todo o livro do cimo da pilha está para lá da borda da mesa. De facto, só 1/12 do livro está sobre a mesa. Isto leva a uma pergunta natural: haverá alguma situação na qual os livros estejam em equilíbrio e, ainda assim, o livro de cima esteja totalmente para lá da borda da mesa? Sim! E bastam quatro livros para isso; veja-se a próxima figura:

Neste caso, o livro do cimo da pilha está totalmente de fora da mesa e a distância à mesa (medida na horizontal) da borda do livro à borda da mesa é de 4% do comprimento do livro.

Para ver que estas contas batem certo, vejamos, em cada um dos casos, qual é a distância (mais uma vez, medida na horizontal) da extremidade do livro mais distante da mesa até à borda desta. A unidade de medida vai ser o comprimento do livro. No primeiro caso, a distância em questão é 1/2, no segundo é 1/2  + 1/4, no terceiro é 1/2 + 1/4 +1/6 e no quarto é 1/2  + 1/4  + 1/6 + 1/8 = 25/24 > 1. E este padrão vai-se mantendo: se a pilha tiver n livros, a distância em questão será igual a

1/2 × (1 + 1/2 + 1/3 + 1/4 + … + 1/n).

Os números da forma 1 + 1/2 + 1/3 + 1/4 + … + 1/n designam-se por números harmónicos e já foi visto nesta rubrica que crescem sem limite. Por isso, não espanta que a certa altura o livro do cimo da pilha esteja totalmente de fora da mesa. E, se fizermos o mesmo com 31 livros, a distância da extremidade do livro mais distante da mesa até à borda da mesa será superior ao dobro do comprimento do livro.

Finalmente, quem achar que este é um problema de Matemática Pura deverá ficar a saber que já era mencionado em livros de Mecânica do século XIX.


Com este texto, dou por encerrada a minha rubrica «(U)Ma Temática Elementar». O primeiro texto saiu em Novembro de 2012. Com este que sai agora, completam-se sete anos de textos. Agradeço ao Carlos Marinho o convite que me dirigiu para me meter nesta epopeia.

Publicado/editado: 21/10/2019