Vida & Obra de Georg Cantor

Vida & Obra de...

Georg Cantor (1845 – 1918) foi um matemático alemão nascido no Império Russo. Cantor foi o criador da Teoria dos Conjuntos.

Cantor nasceu em São Petersburgo,  onde viveu até aos onze anos de idade. O mais velho de seis filhos, tinha jeito para a música, era considerado por todos um excelente violinista. O seu avô Franz Böhm, irmão do violinista Joseph Böhm foi um solista reconhecido, tocou na orquestra imperial russa. O pai de Cantor foi membro da bolsa de valores de São Petersburgo. 

À procura de um inverno mais ameno, o pai de Cantor mudou-se com a família para a Alemanha em 1856, primeiro para Wiesbaden, depois para Frankfurt. O historiador inglês Ivor Grattan-Guinness escreveu em Towards a biography of Georg Cantor que Cantor:

“... remembered his early years in Russia with great nostalgia and never felt at ease in Germany, although he lived there for the rest of his life and seemingly never wrote in the Russian language, which he must have known.”

Cantor formou-se com distinção na escola Realschule em Darmstad devido às suas habilidades excecionais em matemática, em particular em trigonometria. 

Em 1862 Cantor entrou no Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, o pai queria que fosse engenheiro, no entanto, por insistência de Cantor o pai autorizou-o a estudar matemática. Na altura da morte do pai em 1863 Cantor recebeu uma herança substancial e transferiu os seus estudos para a Universidade de Berlim, onde teve a oportunidade de conhecer e ser amigo de Hermann Schwarz. Também teve o privilégio de assistir às aulas de Leopold Kronecker, de Karl Weierstrass e de Ernst Kummer.

Cantor passou o semestre de verão de 1866 na Universidade de Göttingen, retornando depois a Berlim para concluir a sua dissertação sobre teoria dos números De aequationibus secundi gradus indeterminatis em 1867.

Enquanto esteve em Berlim, Cantor fez parte de um pequeno grupo de jovens matemáticos que se reunia semanalmente numa vinícola. 

Em 1869 Cantor foi lecionar para a Universidade de Halle, e na altura a direção da sua investigação afastou-se da teoria dos números para a análise. Eduard Heine, um seu colega em Halle, desafiou-o a provar o problema em aberto da singularidade da representação de uma função como série trigonométrica. Este era um problema difícil que havia sido trabalhado sem sucesso por muitos matemáticos, incluindo o próprio Heine, bem como DirichletLipschitz e Riemann. Cantor resolveu o problema provando a singularidade da representação em abril de 1870. Cantor publicou também outros artigos entre 1870 e 1872 sobre séries trigonométricas e todos eles mostraram a influência que sofreu do ensino de Weierstrass.

Em 1872 Cantor conheceu e ficou amigo de Dedekind. Nesse ano publicou um artigo sobre séries trigonométricas definindo números irracionais como sequências convergentes de números racionais. Dedekind publicou a sua definição dos números reais por "cortes de Dedekind" também em 1872 e neste artigo Dedekind refere o artigo de Cantor.

Em 1873 Cantor provou que os números racionais eram contáveis, ou seja, que podiam ser colocados em correspondência 1-1 com os números naturais. Também mostrou que os números algébricos, isto é, os números que são raízes de equações polinomiais com coeficientes inteiros, eram contáveis. E em dezembro de 1874 provou que os números reais não eram contáveis, publicando este resultado num artigo. É neste artigo que a ideia de uma correspondência 1-1 aparece pela primeira vez, mas está apenas implícita neste trabalho. 

Um número transcendente é um número irracional que não é raiz de nenhuma equação polinomial com coeficientes inteiros. Liouville estabeleceu em 1851 que os números transcendentes existiam. Vinte anos depois, nesta obra de 1874, Cantor mostrou, num certo sentido, que "quase todos" os números são transcendentes, pois já tinha provado que os números reais não eram contáveis e que os números algébricos eram contáveis.

Cantor avançou no seu trabalho, à medida que trocava cartas com Dedekind e a 5 de janeiro de 1874 colocou a seguinte intrigante questão, numa carta a Dedekind:

“Can a surface (say a square that includes the boundary) be uniquely referred to a line (say a straight line segment that includes the end points) so that for every point on the surface there is a corresponding point of the line and, conversely, for every point of the line there is a corresponding point of the surface? I think that answering this question would be no easy job, despite the fact that the answer seems so clearly to be "no" that proof appears almost unnecessary.”

Cantor continuou a comunicar com Dedekind, partilhando as suas ideias e, em 1877 numa carta a Dedekind, Cantor provou que havia uma correspondência 1-1 entre os pontos do intervalo [0, 1] e os pontos de um espaço p-dimensional. Cantor surpreso com a sua própria descoberta escreveu:

“I see it, but I don't believe it!”

Esta descoberta teve implicações na geometria e na noção de dimensão de espaço. Cantor submeteu ao Crelle's Journal, em 1877, um importante trabalho sobre dimensão, mas foi tratado com suspeita por Kronecker, que apenas o publicou após Dedekind intervir em nome de Cantor. Cantor ficou muito ressentido com a oposição de Kronecker ao seu trabalho e nunca mais submeteu artigos no Crelle's Journal.

O artigo sobre dimensão que apareceu no Crelle's Journal em 1878 torna os conceitos de correspondência 1-1 precisos. O artigo apresenta conjuntos enumeráveis, ou seja, aqueles que estão em correspondência 1-1 com os números naturais e conjuntos que estão em correspondência 1-1 uns com os outros, isto é, com a mesma cardinalidade. Este trabalho também apresenta o conceito de dimensão.

Entre 1879 e 1884, Cantor publicou, uma série de seis artigos na Mathematische Annalen destinados a fornecer uma introdução básica à teoria dos conjuntos. 

Embora tivesse sido promovido a professor titular em 1879 por recomendação de Heine, Cantor esperava por uma cadeira numa universidade de maior prestígio. A sua correspondência de longa data com Schwarz terminou em 1880, à medida que a oposição às suas ideias começava a crescer, Schwarz não apoiava a direção que o trabalho de Cantor estava a ter. 

Em outubro de 1881, na altura da morte de Heine, Cantor convidou Dedekind para substituir Heine, mas Dedekind recusou a oferta. A rica correspondência matemática entre Cantor e Dedekind terminou mais tarde em 1882.

Quase ao mesmo tempo em que a correspondência Cantor-Dedekind terminou, Cantor iniciou outra correspondência importante com Mittag-Leffler. Cantor começou a publicar no jornal de Mittag-Leffler, Acta Mathematica.

Com o crescimento de oposição ao seu trabalho, o próprio Cantor afirma claramente num dos seus artigos que percebe a força da oposição às suas ideias:

“... I realise that in this undertaking I place myself in a certain opposition to views widely held concerning the mathematical infinite and to opinions frequently defended on the nature of numbers.”

No final de maio de 1884, Cantor começou a ter episódios de depressão,  recuperou-se depressa, mas numa carta a Mittag-Leffler escreveu:

“... I don't know when I shall return to the continuation of my scientific work. At the moment I can do absolutely nothing with it, and limit myself to the most necessary duty of my lectures; how much happier I would be to be scientifically active, if only I had the necessary mental freshness.”

Mais tarde, em 1885 Mittag-Leffler persuadiu Cantor a retirar um dos seus artigos da Acta Mathematica porque pensava que este surgia cerca de cem anos antes. Cantor brincou com isto, mas ficou claramente magoado:

"Had Mittag-Leffler had his way, I should have to wait until the year 1984, which to me seemed too great a demand! ... But of course I never want to know anything again about Acta Mathematica."

Mittag-Leffler mostrou uma grande falta de apreciação pelo importante trabalho de Cantor. A correspondência entre Mittag-Leffler e Cantor quase parou após este evento. Após este acontecimento a evolução de novas ideias que levou ao rápido desenvolvimento da teoria dos conjuntos por Cantor, ao longo de cerca de 12 anos, parece ter quase parado. 

Em 1890 Cantor foi eleito presidente da Deutsche Mathematiker-Vereinigung ocupando o cargo até 1893.

Os seus últimos artigos importantes sobre a teoria dos conjuntos apareceram em 1895 e 1897, novamente em Mathematische Annalen, editados por Klein, e são excelentes investigações sobre aritmética transfinita.

Em 1897 Cantor participou do primeiro Congresso Internacional de Matemáticos em Zurique. Nas palestras do Congresso, P. E. Johnson em A history of set theory (Boston, Mass., 1972) refere:

“... Hurwitz openly expressed his great admiration of Cantor and proclaimed him as one by whom the theory of functions has been enriched. Jacques Hadamard expressed his opinion that the notions of the theory of sets were known and indispensable instruments.”

Na época do Congresso, Cantor descobriu o primeiro dos paradoxos da teoria dos conjuntos e escreveu a Hilbert em 1896 a explicar o paradoxo. No entanto, Burali-Forti descobriu o paradoxo independentemente e publicou-o em 1897. No Congresso, Cantor esteve com Dedekind e a partir desse momento voltaram a ficar amigos. Recomeçaram a corresponder-se, mas devido a recorrentes surtos de depressão, Cantor terminou a correspondência com Dedekind em 1899.

A 16 de dezembro de 1899, o filho mais novo de Cantor morreu e a partir desse momento, até ao fim da sua vida, Cantor lutou contra a depressão. Continuou a ensinar, mas também passou uma temporada em sanatórios, nos piores momentos da sua doença, a partir de 1899. Sempre que Cantor sofria de períodos de depressão, afastava-se da matemática e voltava-se para a filosofia e para a literatura. 

Cantor participou do Congresso Internacional de Matemáticos em Heidelberg em agosto de 1904 e, em 1905 escreveu uma obra religiosa, após um período no hospital. 

Correspondeu-se com Jourdain sobre a história da teoria dos conjuntos e sobre o seu tratado religioso. Depois de se ausentar durante grande parte de 1909 por causa da sua doença, Cantor desempenhou as suas funções universitárias em 1910 e 1911. Foi nesse ano que ficou encantado ao receber um convite da Universidade de St Andrews, na Escócia, para participar do 500.º aniversário da fundação da Universidade como ilustre académico estrangeiro. Cantor esperava encontrar Russell, que acabara de publicar o Principia Mathematica. No entanto, a saúde debilitada e a notícia de que o filho adoecera fizeram Cantor voltar para a Alemanha sem ver Russell. No ano seguinte, Cantor recebeu o grau honorário de Doutor em Direito pela Universidade de St Andrews, mas estava muito doente para receber o diploma pessoalmente.

Cantor aposentou-se em 1913 e passou os seus últimos anos doente, com pouca comida devido às condições de guerra na Alemanha. Um grande evento planeado em Halle para marcar o 70.º aniversário de Cantor em 1915 teve que ser cancelado por causa da guerra, mas um evento menor foi realizado na sua casa. Em junho de 1917, Cantor entrou num sanatório pela última vez e escreveu continuamente para a sua esposa pedindo permissão para voltar para casa. Morreu de ataque cardíaco.

Hilbert descreveu o trabalho de Cantor como: 

“...the finest product of mathematical genius and one of the supreme achievements of purely intellectual human activity.”

Deixamos o vídeo seguinte onde James Grime nos fala do infinito e do matemático responsável por chamar a atenção da comunidade matemática para esta temática, Georg Cantor. 

 

Fonte: https://mathshistory.st-andrews.ac.uk/Biographies/Cantor/

Por Adília Marinho

Publicado/editado: 03/03/2021