Entrevista ao Prof. Dr. João Araújo - Parte III

Clube Entrevista

O Clube de Matemática da SPM na sua rubrica "Clube Entrevista" conversa com o Prof. Dr. João Araújo – Presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática e Professor da Universidade Nova de Lisboa, cumprindo assim uma tradição de 12 anos, desde janeiro de 2011, a todos os seus presidentes. 

Entrevista Parte I

Entrevista Parte II

Continuação...

Parte III

Como será o ensino da matemática no futuro? 

O modelo de ensino que vai vingar é o que permite às crianças aprender mais, mais profundamente e com menos esforço, algo só possível com imenso esforço dos adultos: a preparar programas muito bem estruturados; muito bem densificado; com objetivos e níveis bem definidos; com um formalismo cada vez mais expressivo e poderoso; onde as matérias fluem de forma sincopada mantendo o interesse das crianças; com ferramentas de inteligência artificial a libertar os professores das tarefas mais rotineiras e assegurando o feedback preventivo; em que há um esforço muito grande de uma equipa central a preparar cada aula, deixando aos professores locais o que só ele pode fazer que é encontrar o melhor modo de ensinar a Ana e o José; essa equipa central vai preparar exercícios inteligentes (sobretudo exercícios de inversão), acabando com as doses massivas de exercícios repetitivos e enfadonhos; as intervenções só serão aceites havendo sólida evidência científica, seguindo à risca o protocolo de testagem e articulando com as necessidades do superior; os programas estarão em vigor décadas e evoluirão por pequenos incrementos, ao contrário do que acontece atualmente em que uma mudança do Governo atira tudo para o lixo, incluindo manuais, centenas de aulas preparadas, exercícios, etc., no mais completo desrespeito pelo trabalho dos professores. No primeiro ciclo, o programa será mais pequeno que o atual, mas os conceitos serão trabalhados de forma muito mais profunda; vai-se progredir imenso no ensino das frações, o assunto que decide quem vai para astronauta ou poeta; no secundário o programa será muito mais vasto que o atual; no espectro do conhecimento (que vai do saber enciclopédico ao saber conceptual) haverá um deslocamento no sentido do conceptual (o saber enciclopédico está à distância de um clique) e o nível de abstração (ie, a identificação dos objetos de grande valor explicativo) será muito superior ao atual pois só assim as pessoas conseguirão perceber o funcionamento e interagir com a tecnologia em que estarão mergulhadas. Como é impossível fazer ferramentas de inteligência artificial de apoio a mil programas diferentes, o investimento mundial vai concentrar-se em apenas um ou dois planos curriculares de qualidade excecional devidamente atestada pela ciência. Os programas nos países do pelotão da frente vão convergir para esse modelo, enquanto os outros países vão assistir da bancada. 

O Encontro Nacional da SPM 2021 foi dos maiores eventos científicos do nosso país, onde participaram como palestrantes os maiores matemáticos mundiais da atualidade. Qual a importância para um país pequeno como o nosso a realização deste encontro mais internacional que nacional?

O objetivo desde o início era fazer dos Encontros nacionais da SPM o grande ponto de encontro dos investigadores portugueses; é criar uma infraestrutura onde cada pessoa (ou conjunto de pessoas) pode construir o seu workshop: em vez de ter de criar um site, organizar todos os detalhes, cobranças, etc., a SPM trata de tudo permitindo a cada um concentrar-se nos aspetos científicos. E chamar grandes estrelas internacionais e nacionais, bem como sessões paralelas convidadas de grande nível, é o que torna o evento atrativo para muitos, assim cumprindo a função de ponto de encontro da matemática portuguesa. Os números dos dois Encontros desta direção julgo que mostram que a aposta foi ganha... e tem margem de progressão...

Qual é o balanço que faz da sua presidência neste biénio? O que falta fazer no próximo biénio?

Recebemos a SPM com um alerta vermelho sobre a sua sustentabilidade financeira, tivemos muitos problemas muito duros, a SPM está financeiramente mais robusta e com perspetiva positiva pois é agora possível fazer iniciativas que aumentem as receitas próprias, fizemos imensos projetos de grande impacto e visibilidade, tivemos iniciativas simbolicamente muito importantes (como a eleição de um sócio honorário professor do secundário), etc., e tudo isto foi conseguido em dois anos de pandemia. Julgo que em regime de voluntariado e nestas circunstâncias muito adversas era difícil fazer muito mais ou muito melhor. 

Cada uma das próximas direções terá o seu programa para cumprir. Apenas gostava de ver mais envolvimento dos associados: o tesouro da SPM é o cérebro dos seus sócios!

Entrevista ao Jornal da Uma na TVI

O João Araújo foi nomeado pelo Jornal Sol como uma das figuras de 2021. Como reagiu quando soube deste “prémio”?

O “prémio” foi uma distinção para a SPM. Mais nada. 

Para quem o conhece refere que é uma pessoa cheia de imaginação e energia (“hiperativo”), e focada no que tem de fazer. Para onde corre o João Araújo?

Os projetos são a otimização de duas grandezas que se opõem: interesse e exequibilidade. Há empresas muito interessantes (curar todos os cancros) que não são exequíveis; e há projetos exequíveis, sem interesse ou com pouco impacto. A chave está em concretizar os projetos de maior impacto, dentro dos exequíveis. Isto exige boas ideias e um domínio total da cadeia logística: ter as pessoas certas nos locais certos de forma a garantir que nada falha. E de facto eu tenho a sorte de conhecer um número anormalmente grande de pessoas anormalmente competentes. Muitos dos projetos desta Direção só foram possíveis (e eu só me meti a fazê-los) por saber que conhecia as pessoas certas para assegurar as partes chave do processo, para além de ter na Direção pessoas fora de série.

Corro para onde? De facto, a única coisa que me faz correr com alegria é a investigação. Aí sou totalmente feliz a ver as coisas acontecer, com grandes matemáticos que gostam de trabalhar comigo e eu com eles. Em 27 anos de vida universitária, raramente me candidatei a cargos de gestão. Esse não é o meu mundo. Mas quando os faço, dou o que tenho no tempo que há, e depois vou à minha vida. Nunca acreditei na teoria do primeiro mandato para aprender e o segundo para fazer...

Qual é a probabilidade de o vermos a correr, a jogar futebol, xadrez… na realidade o que queremos saber é que outro tipo de exercícios gosta de fazer nos seus tempos livres?

Componho músicas de guitarra clássica para uma miúda gira com casei há 26 anos e com quem tenho 6 filhos.

O Clube de Matemática da SPM é…

o sonho dos fundadores da SPM, de gerações de matemáticos ao longo das décadas e em todas as geografias, o embaixador da SPM junto dos mais novos e dos mais velhos, um olhar sobre as paisagens maravilhosas que se avistam do topo da montanha (e, portanto, vale a pena o esforço de subir a montanha), uma enorme fonte de informação para pais, uma diversão para crianças, e muitas vezes uma preciosa ajuda para investigadores, com as suas notícias de atualidades, triunfos, prémios, e resultados. E o Clube de Matemática alimentou a newsletter da SPM e esteve no backoffice do ENSPM2021, um serviço generoso, esgotante e crucial que muito agradeço. 

O matemático Alfred Rényi disse que "quando estou infeliz trabalho matemática para ficar feliz. Quando estou feliz, trabalho matemática para me manter feliz". O que faz para ser feliz?

Nada. A minha felicidade está a cargo da minha mulher. A mim cabe cuidar da sua felicidade. E isso é fácil: todos os dias ao acordar penso a verdade: que nunca fui digno do privilégio de casar com ela! A vida é bela, maravilhosa, e a matemática também. 

FIM

 

Por Carlos Marinho

Publicado/editado: 21/07/2022