Linhas e Pontos com Carlos Marinho




 

Este espaço vai ser dedicado a aspectos simples da vida em contexto real, em que a matemática pode entrar como elemento surpresa. Em síntese, estas "linhas" terão como base "pontos" comuns da nossa vida, em que a objectividade da Matemática pode fazer compreender alguns "problemas" que vão surgindo em contexto real. Como afirmou Pitágoras, "Todas as coisas são números". Nesta rubrica tudo cabe... até a matemática. 

   

Carlos Marinho -  Coordenador do Clube da Matemática da Sociedade Portuguesa de Matemática




Artigo de Fevereiro


Título: Meia colher de sopa de xarope


O mundo em que vivemos é rico em imprecisões. No livro o principezinho existe uma passagem que diz o seguinte: “O 5º planeta era o mais curioso. Era o menor de todos. Só tinha espaço para um candeeiro e um acendedor de candeeiros”. Estamos num livro cuja imaginação é essencial. Albert Einstein referiu que “a imaginação é mais importante que o conhecimento”. Mesmo assim, pergunto: “mas que tamanho tem este planeta?” Cada pessoa imagina o tamanho deste planeta à sua maneira, tendo por isso uma perspectiva diferente. Costuma-se dizer que na matemática 2+2 são 4. Porque razão muitas outras coisas não são como a matemática? Deixo aqui alguns exemplos que me fazem muita confusão: 


1.    Pego num xarope para a tosse e tomo uma colher e meia de sopa desse xarope. Mas pergunto: Que colher? Será que as colheres de sopa que tenho em casa têm o mesmo volume de todas as outras no mundo? Mas o que me faz mais confusão é “a meia colher”. Meia colher…quando começo a deitar a meia colher, penso, está mais ou menos.
2.    Na cozinha, junta-se à água uma pitada de sal. Mas…o que é uma pitada de sal? São 10, 12, 20 pedrinhas. Porque não se descreve o texto assim “juntam-se os dedos em direcção à lata do sal, tira-se uma porção e atira-se para o meio da água”.
3.    O meu filho deveria ter uns…cinco anos perguntou-me as horas. Que horas são, pai? São 10 horas e meia. Ele olhou para o relógio e verificou que eram 10 horas e 32 e questionou-me. Porque razão me disse que são 10 horas e 30 quando são 10 horas e 32. Fiquei perplexo. Mas ele tem razão. Será que os adultos deixam de ser capazes de ser rigorosos no seu quotidiano? Aquela resposta deixou-o confuso.
4.    Quando medimos a tensão arterial. Porquê aqueles valores? Pensamos, mas se eu medir de novo será que os valores não mudam?
5.    Quando dizemos a alguém, “estou em tua casa às 17 horas”. Mas isso existe? Eu consigo estar mesmo às 17 horas? Claro que não, existirá sempre um desvio padrão, de segundos ou minutos. Um matemático diria “estou em tua casa às 17 horas com um desvio padrão de 1 minuto”. Assim está salvaguardado o problema, tenho um intervalo que me permite chegar entre as 16h59 e as 17h01.
6.     Quando um jogador marca um golo, mesmo no ângulo da baliza e dizemos: “que golo fantástico, só podia ser ele a marcar, acertar naquele espaço.” Não. Apesar do jogador rematar bem e forte, a verdade é que teve sorte. Podia estar a noite inteira e não atingir de novo aquele objectivo.
7.    Todos nós já tivemos esta dúvida. Quando passamos o sinal amarelo para vermelho. Paramos. Aceleramos. Mas o que é passar no amarelo?
8.    Um teste de matemática. Porque razão o teste de matemática ou exame tem de ter 90 minutos? Quando é definido o tempo do exame, foi em função de quê ou de quem? Dos melhores alunos, dos piores alunos ou duma média que ninguém, vamos ser razoáveis sabe qual é? Por vezes fico perplexo quando vejo testes que são realizados aos alunos com o tempo limitado, imagine de 45 minutos, onde os alunos de nível 5 (melhores alunos da sala) acabam o teste no limite do tempo. Mesmo a tempo dos 45 minutos. E pergunto-me: mas os alunos de nível 2, 3 ou 4 têm tempo para o finalizar?


Este artigo deve ter 30, 32 ou 40 linhas? Não sei. Leia e verifique se existem frases dispensáveis ou se faltam palavras que fundamentem o argumento desta opinião. Quando vejo alguém dizer, este é caminho, olho em volta e pergunto: onde está o caminho? Desconfio sempre das receitas que nos impõem.


Na matemática 2+2 são mesmo 4. Para alguns são 3,9 ou 4,1 ou para os mais desesperados são 5 ou 6. Cada vez mais acredito que a matemática pelo seu rigor, empresta credibilidade, gera conceitos sempre correctos e verdadeiros. Por isso, é que a matemática é tão importante.


De qualquer maneira a nossa imaginação é muito importante e digo como o matemático húngaro János Bolyai “do nada eu criei um universo novo e estranho”.

 



Publicado/editado: 10/02/2012