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Este espaço vai ser dedicado a aspectos simples da vida em contexto real, em que a matemática pode entrar como elemento surpresa. Em síntese, estas "linhas" terão como base "pontos" comuns da nossa vida, em que a objectividade da Matemática pode fazer compreender alguns "problemas" que vão surgindo em contexto real. Como afirmou Pitágoras, "Todas as coisas são números". Nesta rubrica tudo cabe... até a matemática.
Carlos Marinho - Coordenador do Clube da Matemática da Sociedade Portuguesa de Matemática
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Porque razão ou razões existem
dificuldades na aprendizagem da matemática? Esta é uma questão pertinente
colocada por todos nós. Este artigo pretende contribuir um pouco para iluminar
novos caminhos, sem sofismas mas com matizes bem definidas, criando padrões
elucidativos na procura do nó górdio deste domínio. Será que existe um
Adamastor que inquina o desenvolvimento da
aprendizagem da matemática em Portugal que Luís Vaz de Camões, nos Lusíadas definiu como um mítico gigante do Cabo das
Tormentas, que afundava naus?
Como na prova de um teorema de
matemática---suponhamos que---todas as aulas de matemática são dadas por
professores de matemática, todos estes professores têm a mesma formação
matemática, as médias de curso dos professores são realizadas da
mesma forma em todas as universidades, as escolas têm condições fabulosas com
salas de aulas amplas e arejadas, os alunos são muito bem comportados, o número
de horas semanais da disciplina são adequados, não existe burocracia, os exames
são feitos em sintonia com o que se ensina nas escolas, não existem mudanças
legislativas assíduas e contínuas na matemática (se compilarmos as alterações
proporcionadas na matemática na última década dava para fazer um livro de
algumas centenas de páginas) e por aí adiante, concentremo-nos noutro domínio.
Na população que existe nas salas de aula e os seus resultados.
Nos exames nacionais de 2012 de 6º
ano e 9º ano dos resultados podemos fazer uma leitura inequívoca que intersectada com outros factores resultam no Cabo
das Tormentas desta disciplina. O verdadeiro problema da matemática. No sexto
ano, na primeira chamada dos E.N. de 2012, obteve-se 54% de níveis positivos,
logo 46% dos alunos não sabem matemática suficiente. São uns milhares. Destes
mesmos alunos, no final do ano reprovaram apenas 23% destes alunos. Numa aritmética
simples, 46 menos 23 igual a 23 por cento de alunos que transitam para o 6º ano
com deficiências irreparáveis a matemática, senão teriam passado no exame. No
9º ano, resultados similares, 54% de alunos que atingiram o nível positivo no exame. Deste universo
46% obtiveram negativa. Apenas 27% reprovaram na frequência. Traduzido por números, 46-27=19 por cento. Uma elevada
percentagem de alunos, se quiser dito de outra maneira, são mais uns milhares. Muitos destes alunos vão ser distribuídos em turmas no ano seguinte, mas que reprovaram
no exame de uma forma inequívoca a matemática e muitos deles reprovaram também na frequência. Repito, não
sabem matemática. Passam às outras disciplinas mas são completamente
iletrados a matemática. Surge aqui o grande problema da matemática. A nau está meter
água. Sabemos onde está o rombo. E não se faz nada? Mas estes alunos não sabem
matemática no 6º ano e vão passar para o 7º ano? Como é isto possível? Imagine
agora que está a jogar um jogo muito popular como o sudoku e, não consegue
fazer o grau mais simples do jogo. O que faz? Passa para o nível médio ou
difícil? Claro que não! E sabe porquê? Porque simplesmente não vai chegar a
lado nenhum. Desiste. Fica ainda mais frustrado. Passa esse desencanto para
quem estiver ao seu lado. Numa sala de aula é bem mais complicado. Esta
frustração vai se dispersar por aqueles que querem aprender, atingindo-os no
coração, através de uma indisciplina que não para. Já começamos a perceber onde
a corda parte, o local específico em que a escada deixa de ter degraus
tornando-se perigoso subir.
Nesta altura surge outra
interrogação: de quem é a culpa? Uns precipitados dizem logo, dos alunos. Não
aprendem! Outros viram-se para os professores. Não ensinam! São uns malandros! Outros
dirão: a matemática é muito difícil! É uma questão cultural, já o meu tetra-avô
não gostava de matemática. Nem todos são inteligentes para a aprender! Soluções
erradas!
Não é nada disto ou pelo menos não é
o centro do problema. O primeiro obstáculo está identificado: excesso de
população na sala de aula que não sabe nenhuma matemática. Muitos dirão: é
possível ter 30 alunos na sala e ensinar. Eu respondo: Claro! Um deputado na assembleia
pode estar na tribuna a falar para 250 colegas seus, mas poucos podem estar a
ouvir optando por não ligar nenhuma. No ensino primário, básico/secundário não
é a mesma coisa ensinar 30 alunos onde residem 1, 3, 5,15 alunos, por vezes são
turmas inteiras que transitam de um ano para outro sem as condições mínimas de
seguir o seu caminho. Por outras palavras o professor que recebe um presente
destes tem de criar vários espaços de ensino na sala de aula.
Imagine que vai fazer uma viagem no
seu bólide de 100 mil euros. De repente, fura um pneu. Muda o pneu pelo
suplente que tem na mala. Mas contínua. Fura outro pneu. Vai ter que fazer o
resto da viagem de 500 quilómetros com 4 pneus, um deles furado. Vai chegar? Se
quiser vai! As condições em que chega ao destino é que não são nada boas.
Este sistema em que a matemática não
se pode defender, em pouco tempo fica anorético, emagrece de alunos que pensam
matemática de ano para ano com a agravante de ter uns quantos por sala a
chatear quem pretende aprender. E depois perguntam porque razão não existe mais
sucesso nesta disciplina? O que acha?
Não me ficava bem diagnosticar este
problema e, não apresentar uma solução, se quiserem numa linguagem matemática
determinar raízes para resolver este imbróglio. Não podemos evitar que os
alunos fiquem retidos por reprovar só a matemática, então temos que fazer com
que estes aprendam matemática. Como?
Reduzir drasticamente o número de
alunos na sala de aula. Para quê? Para apoiar todos os alunos que têm dificuldade aguda á disciplina. Muitos dirão: isso não é possível! Ainda recentemente
tivemos um aumento de alunos na sala de aula. É possível. A resposta parece simples. Todos concordamos que a Matemática e Língua
Portuguesa são as disciplinas estruturantes e os pilares do sistema de ensino.
Está na hora de realizar desdobramentos com estas disciplinas. É um processo
barato a curto prazo, muito económico médio prazo, revelando-se milionário a
longo prazo. A matemática é uma disciplina musculada, só se atingem bons
resultados para quem trabalha muito. Esse trabalho tem de ser feito em contexto
de sala de aula. Mas atenção! Este desiderato só é tangível se reduzirmos a
poluição sonora, o ruído, a anarquia e, aumentarmos a concentração, o
entusiasmo, a dinâmica de trabalho, a procura do sucesso. Isto só se faz com
uma redução efectiva de alunos por sala de aula e por professor. Não adianta,
tentar arranjar outros “Adamastores” porque o principal problema está na
quantidade que diminui a qualidade como
ensinamos matemática em Portugal.
Em matéria de educação e da
matemática, descobrir os problemas que impedem mais sucesso é mais ou menos
como jogar no euro-milhões. Milhões jogam, 1 ou 2 acertam. Os problemas
resolvem-se com trabalho, dedicação e investigação.
Se conhece mais pistas que resolvam este problema, não há necessidade de fazer como o matemático grego Arquimedes após ter feito uma descoberta
revolucionária, quando se encontrava
na banheira, pelo que saiu nu para as ruas de Siracusa gritando Eureka, Eureka.