Linhas e Pontos por Carlos Marinho

Outubro de 2012




 

Este espaço vai ser dedicado a aspectos simples da vida em contexto real, em que a matemática pode entrar como elemento surpresa. Em síntese, estas "linhas" terão como base "pontos" comuns da nossa vida, em que a objectividade da Matemática pode fazer compreender alguns "problemas" que vão surgindo em contexto real. Como afirmou Pitágoras, "Todas as coisas são números". Nesta rubrica tudo cabe... até a matemática.   

   

Carlos Marinho -  Coordenador do Clube da Matemática da Sociedade Portuguesa de Matemática  




Artigo de outubro  

Título: O Adamastor da Matemática


Porque razão ou razões existem dificuldades na aprendizagem da matemática? Esta é uma questão pertinente colocada por todos nós. Este artigo pretende contribuir um pouco para iluminar novos caminhos, sem sofismas mas com matizes bem definidas, criando padrões elucidativos na procura do nó górdio deste domínio. Será que existe um Adamastor que inquina o desenvolvimento da aprendizagem da matemática em Portugal que Luís Vaz de Camões, nos Lusíadas definiu como um mítico gigante do Cabo das Tormentas, que afundava naus? 


Como na prova de um teorema de matemática---suponhamos que---todas as aulas de matemática são dadas por professores de matemática, todos estes professores têm a mesma formação matemática, as médias de curso dos professores são realizadas da mesma forma em todas as universidades, as escolas têm condições fabulosas com salas de aulas amplas e arejadas, os alunos são muito bem comportados, o número de horas semanais da disciplina são adequados, não existe burocracia, os exames são feitos em sintonia com o que se ensina nas escolas, não existem mudanças legislativas assíduas e contínuas na matemática (se compilarmos as alterações proporcionadas na matemática na última década dava para fazer um livro de algumas centenas de páginas) e por aí adiante, concentremo-nos noutro domínio. Na população que existe nas salas de aula e os seus resultados.

 

Nos exames nacionais de 2012 de 6º ano e 9º ano dos resultados podemos fazer uma leitura inequívoca que intersectada com outros factores resultam no Cabo das Tormentas desta disciplina. O verdadeiro problema da matemática. No sexto ano, na primeira chamada dos E.N. de 2012, obteve-se 54% de níveis positivos, logo 46% dos alunos não sabem matemática suficiente. São uns milhares. Destes mesmos alunos, no final do ano reprovaram apenas 23% destes alunos. Numa aritmética simples, 46 menos 23 igual a 23 por cento de alunos que transitam para o 6º ano com deficiências irreparáveis a matemática, senão teriam passado no exame. No 9º ano, resultados similares, 54% de alunos que atingiram o nível positivo no exame. Deste universo 46% obtiveram negativa. Apenas 27% reprovaram na frequência. Traduzido por números, 46-27=19 por cento. Uma elevada percentagem de alunos, se quiser dito de outra maneira, são mais uns milhares. Muitos destes alunos vão ser distribuídos em turmas no ano seguinte, mas que reprovaram no exame de uma forma inequívoca a matemática  e muitos deles reprovaram também na frequência. Repito, não sabem matemática. Passam às outras disciplinas mas são completamente iletrados a matemática. Surge aqui o grande problema da matemática. A nau está meter água. Sabemos onde está o rombo. E não se faz nada? Mas estes alunos não sabem matemática no 6º ano e vão passar para o 7º ano? Como é isto possível? Imagine agora que está a jogar um jogo muito popular como o sudoku e, não consegue fazer o grau mais simples do jogo. O que faz? Passa para o nível médio ou difícil? Claro que não! E sabe porquê? Porque simplesmente não vai chegar a lado nenhum. Desiste. Fica ainda mais frustrado. Passa esse desencanto para quem estiver ao seu lado. Numa sala de aula é bem mais complicado. Esta frustração vai se dispersar por aqueles que querem aprender, atingindo-os no coração, através de uma indisciplina que não para. Já começamos a perceber onde a corda parte, o local específico em que a escada deixa de ter degraus tornando-se perigoso subir.


Nesta altura surge outra interrogação: de quem é a culpa? Uns precipitados dizem logo, dos alunos. Não aprendem! Outros viram-se para os professores. Não ensinam! São uns malandros! Outros dirão: a matemática é muito difícil! É uma questão cultural, já o meu tetra-avô não gostava de matemática. Nem todos são inteligentes para a aprender! Soluções erradas!


Não é nada disto ou pelo menos não é o centro do problema. O primeiro obstáculo está identificado: excesso de população na sala de aula que não sabe nenhuma matemática. Muitos dirão: é possível ter 30 alunos na sala e ensinar. Eu respondo: Claro! Um deputado na assembleia pode estar na tribuna a falar para 250 colegas seus, mas poucos podem estar a ouvir optando por não ligar nenhuma. No ensino primário, básico/secundário não é a mesma coisa ensinar 30 alunos onde residem 1, 3, 5,15 alunos, por vezes são turmas inteiras que transitam de um ano para outro sem as condições mínimas de seguir o seu caminho. Por outras palavras o professor que recebe um presente destes tem de criar vários espaços de ensino na sala de aula.


Imagine que vai fazer uma viagem no seu bólide de 100 mil euros. De repente, fura um pneu. Muda o pneu pelo suplente que tem na mala. Mas contínua. Fura outro pneu. Vai ter que fazer o resto da viagem de 500 quilómetros com 4 pneus, um deles furado. Vai chegar? Se quiser vai! As condições em que chega ao destino é que não são nada boas.


Este sistema em que a matemática não se pode defender, em pouco tempo fica anorético, emagrece de alunos que pensam matemática de ano para ano com a agravante de ter uns quantos por sala a chatear quem pretende aprender. E depois perguntam porque razão não existe mais sucesso nesta disciplina? O que acha?

 

Não me ficava bem diagnosticar este problema e, não apresentar uma solução, se quiserem numa linguagem matemática determinar raízes para resolver este imbróglio. Não podemos evitar que os alunos fiquem retidos por reprovar só a matemática, então temos que fazer com que estes aprendam matemática. Como?

 

Reduzir drasticamente o número de alunos na sala de aula. Para quê? Para apoiar todos os alunos que têm dificuldade aguda á disciplina. Muitos dirão: isso não é possível! Ainda recentemente tivemos um aumento de alunos na sala de aula. É possível. A resposta parece simples. Todos concordamos que a Matemática e Língua Portuguesa são as disciplinas estruturantes e os pilares do sistema de ensino. Está na hora de realizar desdobramentos com estas disciplinas. É um processo barato a curto prazo, muito económico médio prazo, revelando-se milionário a longo prazo. A matemática é uma disciplina musculada, só se atingem bons resultados para quem trabalha muito. Esse trabalho tem de ser feito em contexto de sala de aula. Mas atenção! Este desiderato só é tangível se reduzirmos a poluição sonora, o ruído, a anarquia e, aumentarmos a concentração, o entusiasmo, a dinâmica de trabalho, a procura do sucesso. Isto só se faz com uma redução efectiva de alunos por sala de aula e por professor. Não adianta, tentar arranjar outros “Adamastores” porque o principal problema está na quantidade que diminui a qualidade como ensinamos matemática em Portugal.

 

Em matéria de educação e da matemática, descobrir os problemas que impedem mais sucesso é mais ou menos como jogar no euro-milhões. Milhões jogam, 1 ou 2 acertam. Os problemas resolvem-se com trabalho, dedicação e investigação.

 

Se conhece mais pistas que resolvam este problema, não há necessidade de fazer como o matemático grego Arquimedes após ter feito uma descoberta revolucionária, quando se encontrava na banheira, pelo que saiu nu para as ruas de Siracusa gritando Eureka, Eureka.


 



Todos os meses, no dia 10 de cada mês:


Artigo Linhas e Pontos de Maio ----- "100 Máquina de Calcular"----- 


Artigo Linhas e Pontos de Fevereiro ----- "1/2 Colher de Xarope"----- 


Artigo Linhas e Pontos de Janeiro ----- "Uma aula de Matemática 100 abrigo"-----  


 Artigo Linhas e Pontos de Dezembro - dia 10 ---- "A Viagem do Pai Natal"-----


Artigo Linhas e Pontos de Novembro - dia 10 ---- "Bilião ou Mil Milhões?"------


Artigo Linhas e Pontos de Outubro - dia 10 ---- "Tijolo a Tijolo se constrói a Matemática"-----


Artigo Linhas e Pontos de Setembro - dia 10 ---- "Avaliação a Quanto Obrigas" ------


Artigo Linhas e Pontos de julho - dia 10 ----- "A Matemática do Chefe Estrumpfe" -----


Artigo Linhas e Pontos de junho - dia 10 ----- "Astérix e a Poção Mágica" -----


Artigo Linhas e Pontos de Maio - dia 10 ---- "Na Matemática 2+2 serão sempre 4 ---- 


Artigo Linhas e Pontos de Abril - dia 10 ---- "A Mão da Princesa" -----


Artigo Linhas e Pontos de março - dia 10 ---- "Aquela Máquina" -----


Artigo Linhas e Pontos de fevereiro - dia 10 ---- "O Parafuso" ---- 


Artigo Linhas e Pontos de Janeiro - dia 10 ---- "Lei XI (em) Fora-de-Jogo" ----

Publicado/editado: 11/10/2012