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Distâncias (quase)
infinitamente grandes e distâncias (quase) infinitamente pequenas estão
intrinsecamente relacionadas no Universo de que fazemos parte e que aos
poucos vamos tentando conhecer melhor. Nesta rubrica escreverei algumas
palavras, e números (!), sobre o Universo que vemos quando olhamos para
um céu estrelado numa noite límpida. Uma modesta contribuição para
ajudar a reflectir sobre a nossa posição no contexto cósmico.
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Quando, por estes dias, olhamos para o céu pouco depois do Sol se pôr, encontramos dois objetos celestes que facilmente saltam à vista: Vénus relativamente próximo do horizonte, em direção a sudoeste (aproximadamente a direção em que o Sol se põe nesta altura do ano), e Júpiter, mais alto no céu, em direção a leste. Neste momento, depois do Sol e da Lua, Vénus e Júpiter são os objetos celestes mais brilhantes no céu.
A presença simultânea de Vénus e Júpiter no céu noturno, motivou-me a trazer de novo a este espaço uma referência ao trabalho de Galileu Galilei, desta vez explicitando duas contribuições significativas para o desmoronamento do sistema geocêntrico. Apesar de não pretender efetuar uma descrição detalhada do sistema geocêntrico, importa referir alguns aspetos importantes: cada planeta (dos então conhecidos Mercúrio, Vénus, Marte, Júpiter e Saturno) move-se ao longo de uma circunferência (epiciclo) cujo centro se movimenta à volta da Terra, ao longo de uma outra circunferência de maior raio (deferente) centrada no ponto médio da semirreta que une a Terra a um ponto designado por equante; cada planeta tem o seu equante; o centro dos epiciclos de Mercúrio e Vénus estão situados na semirreta que une a Terra ao Sol, acompanhando por isso o movimento do Sol em volta da Terra; por ordem crescente de distância à Terra temos a Lua, depois Mercúrio, Vénus, Sol, Marte, Júpiter e Saturno.
Como consequência do modelo geocêntrico, o planeta Vénus pode apresentar-se em diferentes fases, análogas às da Lua, mas nunca em fases em que a secção circular virada para a Terra (o disco planetário) se encontre iluminada em mais de metade da sua área. Mas não foi isto que Galileu observou! Através do seu telescópio, Galileu viu que Vénus apresenta ciclos completos de fases (Vénus Cheio, Vénus Minguante, Vénus Novo, Vénus Crescente), o que, dada a permanente proximidade aparente de Vénus ao Sol, só é possível se o planeta estiver ora mais afastado da Terra que o Sol, ora mais próximo da Terra que o Sol, algo incompatível com o sistema geocêntrico.
As observações de Júpiter, efetuadas por Galileu, lançaram ainda mais lenha para a fogueira que haveria de terminar com o geocentrismo. Galileu descobriu quatro “estrelas” a moverem-se em torno a Júpiter. Afinal nem tudo se movia em volta da Terra! Aquelas “estrelas” não são mais do que as quatro maiores luas de Júpiter: Io, Europa, Ganimedes e Calisto.
As ideias geocêntricas, apelativas na época por razões filosóficas e religiosas, perduraram através de sistemas mistos. Nestes sistemas o Sol movimenta-se em torno da Terra, e os planetas em torno do Sol, ou em torno da Terra. No modelo desenvolvido por Tycho Brahe os planetas movem-se em volta do Sol e o Sol move-se em volta da Terra. É possível demonstrar que o modelo de Tycho Brahe e o modelo heliocêntrico são matematicamente equivalentes no que concerne ao movimento dos planetas e do Sol em relação à Terra, e por isso indistinguíveis a partir da análise dos movimentos aparentes do Sol e dos planetas. A descoberta posterior da aberração estelar, da paralaxe das estrelas e a explicação natural do modelo heliocêntrico a partir das Leis de Newton acabaram definitivamente com os modelos geocêntricos.
Ao olharmos para Vénus e Júpiter num qualquer anoitecer deste mês de dezembro vislumbramos um passado em que o universo era visto de modo distinto ao de hoje. E não nos devemos esquecer que no futuro, o hoje é passado...