|
Este espaço vai ser dedicado a aspectos simples da vida em contexto real, em que a matemática pode entrar como elemento surpresa. Em síntese, estas "linhas" terão como base "pontos" comuns da nossa vida, em que a objectividade da Matemática pode fazer compreender alguns "problemas" que vão surgindo em contexto real. Como afirmou Pitágoras, "Todas as coisas são números". Nesta rubrica tudo cabe... até a matemática.
Carlos Marinho - Coordenador do Clube da Matemática da Sociedade Portuguesa de Matemática
|
1. É oficial, a máquina de calcular no exame nacional de 6º ano (já a partir de 2012) vai ver reduzida a sua intervenção. Já este ano lectivo o novo exame de 6º ano vai ser composto por 2 cadernos: o primeiro de 30 minutos é possível usar a máquina de calcular. O segundo de 60 minutos é realizado sem acesso a esta ferramenta. No 4º ano (a partir de 2013) vamos ter também exame nacional sem máquina de calcular como já acontece actualmente na prova de aferição.
2. Dois terços do exame é realizado sem máquina. Uma boa decisão.
3. Já o escrevi em tempos num artigo aqui no clube spm que a máquina de calcular é fundamental mas deve ser usada como um recurso, nunca como uma ferramenta que se apela a todo o momento. Para isso temos o nosso cérebro. Sem dúvida que colocar as nossas crianças a fazer cálculo mental é dar-lhes vida. Diria que esta medida é uma mudança de paradigma.
4. Perguntam agora, os nossos alunos estão preparados para esta ausência da máquina em contexto de avaliação? A resposta é, um claro não. Ainda não. Neste momento perante os longos programas existentes e problemas afins --- ter ou não ter máquina faz toda a diferença. O tempo de resposta a um problema com a máquina (neste momento) por parte dos alunos é muito superior sem o uso da máquina. Porquê? Porque deixamos nas últimas décadas de usar o cálculo mental.
5. Por isso, nos próximos tempos teremos de assistir a uma mudança de paradigma. Um bom início seria, aulas de 90 minutos. Primeiro terço, 30 minutos com máquina. Dois terços da aula, sem máquina. Será que neste ano lectivo está a realizar-se já esta mudança?
6. Partilho com a posição de Miguel Abreu, Presidente da SPM quando refere que podemos até ao 9º ano limitar o uso da máquina de calcular ao nível dos exames. Temos de colocar os nossos a alunos a fazer muito cálculo mental. Como se faz?
7. Há dias defendi e dei um exemplo no Porto Canal de como a máquina de calcular pode ser minizada no seu uso. Por exemplo, no caso da raízes quadradas. Sabemos que raiz quadrada de 16 é 4 e de 25 é 5. Podemos só com estes dois elementos conhecer os valores arredondados de todas as raízes quadradas entre 16 e 25. Quanto é raiz quadrada de 17? Muito fácil! É 4,1. E raiz quadrada de 24? Fácil! É 4,9. E de 20? Menos fácil, mas é possível estimar rapidamente um valor próximo. Se temos os números 16, 17, 18, 19 20, 21, 22, 23, 24 e 25, se raiz quadrada de 16 é 4 e 25 é 5, temos que qualquer raiz quadrada entre estes dois valores está entre 4 e 5. Entre 16 e 25 temos 10 números. Qual a posição do 20 nesta linha de 10 números. Está na quinta posição. Logo, raiz quadrada de 20 terá um valor aproximado de 4,5. E raiz quadrada de 21? Será 4,6. E de raiz quadrada de 23? 4,8! Nestes últimos casos até podemos brincar com os alunos e tentar estimar estes valores até às centésimas. Que bem que lhes fazia...
8. A matemática precisa deste impulso de austeridade em relação à máquina de calcular. A matemática agradece! O ensino agradece! O país agradece! Vai demorar a alterar este modus operandi? Vai.
9. Mesmo que demore uma década percorrer este caminho é vital, é matemático. O matemático Isaac Newton disse que "se o conhecimento pode criar problemas, não é através da ignorância que podemos solucioná-los" e adiantou ainda, "construímos muros a mais e pontes a menos". Esta é definitivamente (com um conjunto de outras que defendo e que inevitavelmente terão de ser postas em prática, mais ano menos ano) uma ponte que verá passar um bom percurso de água que dará de "beber" aos nossos alunos.
10. Todos nós precisamos de saber mais e melhor matemática. Quando digo todos, digo todos. Nenhum cidadão deste país deve ficar privado de aprender matemática com qualidade seja qual for o caminho que tome na sua vida académica. A matemática tem de estar presente até ao último dia da faculdade de qualquer aluno deste país. Sim, até ao último dia da sua licenciatura seja ela qual for. Mais cedo ou mais tarde, vai precisar da matemática. O escritor francês Anatole France (844-1924), nobel da literatura em 1921 disse um dia que "People who don´t count won´t count", "Pessoas que não contam não contam".