Entre Parênteses () por António Machiavelo



  

  

O que é a Matemática? Para que serve? Como é a Matemática usada no dia-a-dia? Que vantagens traz para a sociedade? E para o indivíduo, que vantagens há em saber Matemática? Estas são algumas das questões que serão abordadas nesta rubrica, onde se abrirão pequenos parênteses para oferecer temas para reflexão e perspectivas talvez ligeiramente diferentes das usuais sobre a Matemática e a sua importância. 

 

António Machiavelo - Departamento de Matemática da FCUP

 



Artigo de Abril                     

Título: Uma Obra Prima


Há em Matemática, tal como na Literatura, na Poesia, na Pintura, na Escultura, ou na Música, obras-primas do engenho, do talento e da criatividade humanas, cumes a que podem ascender os membros da nossa espécie quando embarcam na procura da Verdade, com paixão e a auto-disciplina libertadora da honestidade. Libertadora, porque remove preconceitos e superstições que aprisionam as mentes.

Uma dessas obras-primas é, sem qualquer dúvida, a demonstração da existência de uma infinidade de números primos. Recordo aqui que um número primo é um números natural, maior que a unidade, que não pode ser escrito como produto de números menores. São portanto números que são atómicos, no sentido original da palavra --- não divisíveis em partes ---, relativamente à operação de multiplicação.

Os primeiros números primos são: 2, 3, 5, 7, 11, 13, 17, 19, 23, 29, 31, 37, 41, 43, 47, 53, 59, 61, 67, 71, 73, 79, 83, 89, 97, 101, 103, 107, 109, 113, 127, 131, 137, 139, 149, 151, 157, 163, 167, 173, 179, 181, 191, 193, 197, 199, 211, 223, 227, 229, 233, 239, 241, 251, 257, 263, 269, 271, 277, 281, 283, 293, 307, 311, 313, 317, 331, 337, 347, 349, 353, 359, 367, 373, 379, 383, 389, 397, 401, 409, 419, 421, 431, 433, 439, 443, 449, 457, 461, 463, 467, 479, 487, 491, 499, 503, 509, 521, 523, 541, 547, 557, 563, 569, 571, 577, 587, 593, 599, 601, 607, 613, 617, 619, 631, 641, 643, 647, 653, 659, 661, 673, 677, 683, 691, 701, 709, 719, 727, 733, 739, 743, 751, 757, 761, 769, 773, 787, 797, 809, 811, 821, 823, 827, 829, 839, 853, 857, 859, 863, 877, 881, 883, 887, 907, 911, 919, 929, 937, 941, 947, 953, 967, 971, 977, 983, 991, 997, ...

Estes números têm sido objecto de encanto e mistério para sucessivas gerações de seres humanos desde, pelo menos, a Grécia antiga. A demonstração de que há uma infinidade de primos, contida na proposição 20 do livro IX dos Elementos de Euclides  é, acima de tudo, um monumento à elegância de raciocínio e à argúcia humanas.

Repare-se que, à primeira vista, a tarefa de saber se há ou não uma infinidade de primos parece impossível de realizar... Para testar se um número é primo ou não, há que ver se tem algum divisor, o que é uma tarefa que pode ser demorada, mas é finita. Porém, testar todos os números está completamente fora de hipótese! Como determinar, então, se há ou não uma infinidade de primos? Se houvesse só um número finito, como saber que se chegou ao último? A agravar a situação, os números primos parecem ocorrer entre os números naturais de uma forma perfeitamente caótica...

No entanto, basta usar dois factos simples sobre os números naturais, mais uma ideia, simples mas genial, como muitas ideias simples. Os factos são:

1) Todo o número natural maior que um tem algum divisor primo, eventualmente ele próprio. Porquê?... Porque ou já é primo ou então tem um divisor menor que ele e que ainda é maior que um, que por sua vez ou é primo ou tem um divisor que ainda é maior que um, ...etc..., e como só há um número finito de números menores que um dado número, este «etc» tem de necessariamente terminar com um divisor primo do número inicialmente dado;

2) Se o número natural M for múltiplo de um número natural maior que um, então o número M+1 não o é. Por exemplo, se um número for múltiplo de 3, então o número seguinte já não o é... Não é difícil de perceber, pois não?

Finalmente, a ideia é a seguinte: considerar, para um número natural qualquer N, o número  N x (N-1) x (N-2) x ... x 3 x 2+1. Por (1) existe um primo que divide N x (N-1) x (N-2) x ... x 3 x 2+1, e por (2) este primo não pode ser nenhum dos números 2, 3, ... , N. Isto mostra que dado um número qualquer N, há sempre um primo que é maior que N!!! Daqui se conclui que o conjunto dos números primos não pode ser finito.

Não é incrível que em tão poucas linhas se possa demonstrar a existência de uma infinidade de números tão indomáveis e selvagens como os números primos? E isto sem exibir sequer um único número primo!!!


O argumento aqui apresentado é uma pequena variação do que aparece em Euclides. Apesar de muitas vezes se atribuir a descoberta deste facto notável ao autor dos Elementos, não há absolutamente nenhuma evidência que tenha sido feita por ele. Poderia ser já conhecida, tendo sido descoberta por alguém anterior a Euclides. Pode até ser sido descoberta, de forma independente, por mais do que uma pessoa. No entanto, muito mais importante do que saber se foi este ou aquele indivíduo, é celebrar esta incrível façanha humana. Porque, como muitas outras coisas, não são o resultado do trabalho de um só indivíduo, mas sim de muitos, distribuídos por várias gerações.  É pois, e acima de tudo, um  belíssimo monumento às capacidades mais sublimes dos seres humanos, um monumento digno de ser celebrado neste início de Primavera, época de renovação e renascimento da Natureza que alimenta os sentimentos mais nobres e inspira novas e audazes aventuras.





Todos os meses, no dia 6 de cada mês:

 

 

Artigo "Entre Parênteses ()"de Abril - "Uma Obra Prima"

 

Artigo "Entre Parênteses ()"de Março - "Ahmosé, Diofanto, Gauss e um desafio"

 

Artigo "Entre Parênteses ()"de Fevereiro - "Um Poema Matemático"

 

Artigo "Entre Parênteses ()"de Janeiro - "O Mistério + Antigo"

Artigo "Entre Parênteses ()"de Dezembro - "A Matemática, Helena e os Romanos" 

 

Artigo "Entre Parênteses ()"de Novembro - "A Matemática como um desporto radical" 


Artigo "Entre Parênteses ()"de Outubro - "Matemática e Indústria: Uma relação simbiótica"  

 

Artigo "Entre Parênteses ()"de setembro - "Pontos, Linhas e a Estrutura do Universo" 


Artigo "Entre Parênteses ()"de julho - "As Origens da matemática e as noites de verão" 


Artigo "Entre Parênteses ()"de junho - "A Magia dos Telemóveis" 


Artigo "Entre Parênteses ()"de maio - "O Poder da Matemática II" 


Artigo "Entre Parênteses ()"de abril - "O Poder da Matemática I" 


Artigo "Entre Parênteses ()"de março - "A Invisibilidade da matemática" 


Artigo "Entre Parênteses ()"de fevereiro - "Perguntas, perguntas e mais perguntas" 

 

Artigo "Entre Parênteses ()"de Janeiro - "Perguntas, respostas, abstracções e um exemplo concreto"

Publicado/editado: 18/04/2012