Entre Parênteses () António Machiavelo

Eixos de Opinião de outubro de 2012

Uma das armas mais poderosas que os ingleses usaram na Segunda Guerra Mundial foi, sem dúvida, uma equipa de criptanalistas, que incluia vários matemáticos de primeiríssimo calibre, entre os quais se contavam Alan Turing, de que este ano se comemora o centenário do nascimento (ver: turing1, turing2 e turing3), Alexander Aitken, A. O. L. Atkin, J. W. S. Cassels, I. J. Good, Philip Hall, Peter Hilton, Max Newman, David Rees, W. T. Tutte e J. H. C. Whitehead.

Reunidos numa mansão com o nome de Bletchley Park, em Milton Keynes, a uns 90 Km a noroeste de Londres, essa equipa de criptanalistas conseguiu, por diversas vezes, descobrir chaves secretas, que eram renovadas diariamente, da cifra utilizada pelas tropas nazis para enviar mensagens confidenciais, via rádio. Essa cifra ficou conhecida pelo nome de Enigma, envolvendo um dispositivo electro-mecânico conhecido pelo mesmo nome: a máquina Enigma (ver também detalhes técnicos e modelos). A criptanálise operada em Bletchley deu acesso a informações cruciais sobre os planos do inimigo, o que, como se pode imaginar, dá alguma vantagem num conflito armado... Estima-se que o trabalho desenvolvido nessa mansão de Milton Keyes, e no qual desempenhou um papel fundamental a Matemática, evitou, pelo menos, mais dois anos de guerra, salvando assim centenas de milhares de vidas!

Note-se que não basta ter uma máquina Enigma para decifrar uma mensagem interceptada. Há que ter a "chave secreta", que consiste na configuração inicial da máquina com que foi cifrada a mensagem. E o problema é que a máquina Enigma tinha 107 458 687 327 250 619 360 000 possíveis configurações iniciais! O que foi feito em Bletchley Park, foi, usando algumas pistas sobre algumas das mensagens interceptadas, deduzir a configuração inicial de um dado dia (como referido, a chave era mudada diariamente).

A história da criptanálise da cifra Enigma (ver criptoE1, criptoE2, criptoE3) teve de facto início ainda antes da guerra, em 1932, quando a agência criptológica polaca, a Biuro Szyfrów, enlistou os esforços de três jovens matemáticos: Marian Rejewski, Jerzy Różycki e Henryk Zygalski. Com o aumento do poderio militar alemão na década de 1920--30, os polacos tinham boas razões para se sentir ameaçados e começaram a escutar atentamente as comunicações militares do país vizinho de tendências bélicas. Eventualmente perceberam que estas eram codificadas com máquinas Enigma, mas que as tropas alemãs usavam uma versão modificada da máquina comercial, em uso desde 1923, e que tinha sido inventada em 1918 por Arthur Scherbius. A equipa de matemáticos ficou encarregue de quebrar a cifra que os alemães estavam a utilizar.

Rejewski rapidamente se apercebeu que podia usar resultados de Teoria dos Grupos para criptanalisar a cifra Enigma. Os leitores que conhecem os resultados básicos sobre grupos de permutações podem ler como Rejewski os usou para quebrar a cifra Enigma utilizada antes da guerra (os alemães introduziram posteriormente várias complicações que tornaram a criptanálise substancialmente mais difícil) no seu artigo intitulado "An Application of the Theory of Permutations in Breaking the Enigma Cipher", que está disponível neste endereço (ver também a sua página-mãe, que contém muitas outras coisas interessantíssimas).

Uma das armas matemáticas usadas por Rejewski é um resultado básico sobre grupos de permutações, que garante que duas permutações conjugadas têm decomposições semelhantes em ciclos disjuntos, resultado este que foi descrito pelo criptólogo C. A. Deavours como "o teorema que ganhou a Segunda Guerra Mundial''. Há quem diga que esta afirmação é algo exagerada. Talvez... Mas Gordon Welchman, um outro matemático que trabalhou me Bletchley Park, no seu livro "The Hut Six Story: Breaking the Enigma Codes", deixa absolutamente claro que o sucesso dos matemáticos polacos foi instrumental para persuadir o governo britânico a investir na criptanálise da Enigma. Portanto, se é claro que o teorema por si só não ganhou a guerra, é também claro que deu uma importante contribuição!




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Publicado/editado: 07/10/2012