O fascínio por palavras especiais com poderes fantásticos é algo que está bem presente em todas as culturas humanas, das mais antigas às mais modernas. Do "Abracadabra" e "Abre-te sésamo!" aos "Alohomora", "Expecto Patronum" e "Wingardium Leviosa", a palavra ou a frase mágica é um dos ingredientes essenciais em feitiçarias que permitem instantaneamente realizar desejos e conseguir o impossível. É claro que tudo isto não passa de fantasia e sonho, de um assunto próprio de histórias de encantar (para não estragar um ambiente que pretendo aprazível, vou aqui ignorar os aspectos menos agradáveis relacionados com credulidade e com charlatanice, infelizmente ainda demasiado presentes nas sociedades contemporâneas).
No entanto, não sei se alguma vez o leitor reparou que há um caso muito especial onde um tipo de invocação quase mágica é bem real e completamente fidedigno... Isto pode constituir uma verdadeira surpresa, mas é justamente na matemática que existe uma espécie de feitiço que, na realidade, faz algo de extraordinário e bem concreto. Ora repare bem no que se faz na álgebra, mesmo na mais elementar. Quando queremos determinar uma certa quantidade desconhecida, sobre a qual apenas sabemos alguma informação indirecta (uma espécie de rasto da sua aura), qual a primeira coisa a fazer? Dar um NOME ao desconhecido, tradicionalmente "x"! E através do poder dado pelo nome, exprimimos a informação dada numa ou mais equações e depois de uns passes de magia, perdão, de álgebra, descobrimos a entidade do misterioso e incógnito "x".
Fica aqui um exemplo simples (adaptado do livro "Álgebra Recreativa" de Y.I. Perelman).
Suponhamos que um navio de reconhecimento recebe uma ordem para fazer uma exploração na direcção em que a sua esquadra avança, devendo reunir-se a esta 3 horas mais tarde. Ao fim de quanto tempo, a partir do momento em que se distancia da esquadra, deve o navio de reconhecimento iniciar o regresso à esquadra, se a sua velocidade for de 75 km/h e a da esquadra for de 55 km/h?
Para descobrir a quantidade desconhecida, ou seja, o tempo, em horas, após o qual o navio de reconhecimento deve dar meia-volta, começa-se por lhe dar um nome: "x".
Isto permite imediatamente especificar o tempo que o navio de reconhecimento tem para o regresso: 3-x. Ora, enquando a esquadra segue na mesma direcção, o navio de reconhecimento afasta-se até uma distância máxima que é igual à diferença entre as distâncias percorridas pelo navio e pela esquadra, que é de 75x-55x=20x (km).
No regresso, o navio de reconhecimento irá percorrer uma distância que é igual a 75(3-x) km, enquanto que a esquadra percorre 55(3-x) km. Mas a distância que o navio de reconhecimento percorre no regresso mais a distância que a esquadra percorre nesse mesmo intervalo de tempo deve ser igual à distância a que ambos estavam afastados. Assim, terá de se ter: 75(3-x)+55(3-x)=20x.
Daqui facilmente se conclui que x = 2,6h. Ou seja, o navio de reconhecimento deve iniciar o regresso 2h36m após se ter afastado da esquadra.
Não é curioso que o facto de nomear o desconhecido nos dá aqui poder de manipulação sobre ele, e que através da magia da álgebra consigamos descobrir o seu valor? É pura feitiçaria... ou será feitiçaria aplicada?